Análise | Celebridades e Figuras Públicas Gênero e sexualidade

As celebridades não estão imunes: ainda há machismo no mundo da fama

Quando um rapper aclamado pela crítica musical lança um single em que faz provocações machistas a uma estrela pop, o universo dos famosos entra em polvorosa. É preciso se posicionar a favor ou contra. As artistas mais bem pagas do mundo saíram em defesa da cantora Taylor Swift e mostraram como um acontecimento pode revelar questões ainda entranhadas na vida social.

Taylor Swift e Kanye West

Taylor Swift e Kanye West

O universo das celebridades é um retrato do glamoroso, do belo, do topo do sucesso humano. Bem, pelo menos é o que, em geral, chega até nós pelos meios de comunicação. A mídia especializada em informar sobre o mundo da fama transforma, inclusive, os mais simples gestos do cotidiano em atos extraordinários. Vide a clássica e famosa matéria divulgada pelo portal Terra, em 2011, intitulada “Caetano estaciona carro no Leblon nesta quinta-feira”. Afinal, ser uma estrela tem disso: tudo que ela toca ou faz vira ouro. Podemos dizer que há, nessa idolatria, o que o sociólogo Edgar Morin chama de projeção e identificação. Queremos ser ou possuímos traços do que tal célebre representa.

No entanto, nem tudo são flores nesse cenário. Como sabemos bem, a fama não é um mundo à parte, mas é constitutiva e, ao mesmo tempo, ajuda a construir o todo que chamamos de sociedade. Assim, no mundo da celebridade, há os mesmos problemas que nos outros âmbitos sociais. Um acontecimento em fevereiro deste ano deixou isso muito claro. Ele fez ver um problema e fez falar.

Uma das mais famosas e bem-sucedidas artistas da música pop sofreu na pele o machismo que ainda subsiste nos dias de hoje. O rapper Kanye West, um dos mais bem pagos cantores do mundo, lançou em formato digital a música Famous, na qual diz “I feel like me and Taylor might still have sex” e complementa: “Why? I made that bitch famous”. Taylor é ninguém menos que a queridinha do pop Taylor Swift. Traduzindo os versos da canção, West diz que ele e a cantora devem fazer sexo porque ele fez aquela vadia famosa. Como podem ver, os versos são muito ofensivos. Depois da reação negativa, West declarou que a música havia sido aprovada por Taylor e que “bitch”, na cultura rapper, não tem uma má conotação.

Como é intrínseco a todo acontecimento, esse incidente abriu um horizonte de possíveis. Além de descortinar o que as mulheres ainda sofrem, o que inclui as celebridades, o acontecimento levantou uma discussão sobre a necessidade de artistas se declararem feministas. O discurso de Taylor no Grammy, quatro dias depois do lançamento da música, soou como um tapa na cara de Kanye West e de todos os homens que ainda defendem uma postura machista.

Única mulher a ganhar na categoria Melhor Álbum por duas vezes, Taylor também levou os prêmios de Melhor Álbum Pop e Melhor Clipe. Sua fala em nada hesitou: “Gostaria de falar a todas as jovens mulheres: muitas pessoas no caminho vão tentar deter o seu sucesso e tomar os créditos pela sua fama. Não deixe que elas te desviem da sua rota. Se você estiver focada no trabalho e não deixar essas pessoas te tirarem do seu caminho, um dia, você chegará aonde deve. Você olhará em volta e saberá quem foi você e as pessoas que te amam que te colocaram lá. E essa será a melhor sensação do mundo. Muito obrigada por esse momento”.

A atriz Ruby Rose, famosa por sua atuação na série da Netflix Orange is The New Black, twittou: “Logo antes de mais um grandioso momento para ela. Posso ainda defendê-lo e me chamar de feminista? De amiga? Não”. A atriz de Hollywood Reese Witherspoon também saiu em defesa da cantora na rede social: “Amei suas incríveis palavras. Continue encorajando todas as jovens mulheres a escreverem suas estórias e suas canções”.

O acontecimento em que se transformou o discurso é somado a diversos outros que têm o mesmo propósito: mais direitos para as mulheres. Neste ano, por exemplo, Emma Watson, conhecida por interpretar a bruxa Hermione na saga Harry Potter, anunciou que deixará os filmes por um ano para se dedicar ao feminismo como Embaixadora da Boa Vontade da ONU Mulheres.

Ora, que bom que o universo das celebridades não é isolado e faz parte da sociedade! A partir de acontecimentos assim, vemos seu poder de revelação aflorar: descortinar questões relevantes e iniciar discussões que podem transformar o mundo.

 

Juliana Ferreira
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UFMG
Pesquisadora do Gris

 

Esta análise faz parte do cronograma oficial de análises para o mês de abril, definido em reunião do GrisLab.



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