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O fim que acontece: as conclusões de Vingadores e Game of Thrones

Nos últimos dias, dois acontecimentos audiovisuais foram comentados com diferentes intensidades nas redes sociais e em veículos midiáticos especializados: “Vingadores: Ultimato” e “Game of Thrones”.

Foto: Observatório do Cinema

“Vingadores: Ultimato” está prestes a se tornar a maior bilheteria da história do cinema. Atualmente com 2 bilhões e 730 milhões, o filme só se encontra atrás de “Avatar”, lançado em 2010. Na televisão, “Game of Thrones” teve seu último episódio assistido por 19 milhões de pessoas apenas nos Estados Unidos. Trata-se de dois fenômenos recentes das produções audiovisuais de fantasia e aventura que chegaram ao fim despertando diferentes tipos de emoções.

A expectativa em torno destes clímax das populares franquias tornou-as acontecimentais na forma como afetaram seu público cativo. Tanto “Vingadores” quanto “Game of Thrones” são narrativas seriadas que se construíram ao longo de anos de investimento de seus espectadores. Enquanto a série da HBO assumia o formato em capítulos tradicional televisivo, no cinema a Marvel estúdios se estabeleceu a partir de um universo cinematográfico compartilhado  com mais de 20 filmes se completando para culminar no exemplar encontro de personagens em “Ultimato” e no filme anterior direto: “Guerra Infinita”.

Esta forma de estrutura seriada permitiu que o público conhecesse e se afeiçoasse aos personagens com tempo, ao longo de vários anos (o primeiro filme do Universo Marvel nos cinemas é “Homem de Ferro”, de 2008, e o primeiro episódio de “Game of Thrones” foi ao ar em 2011). Tony Stark, Capitão América, Daenerys e Jon Snow tornaram-se figuras conhecidas que revíamos de tempos em tempos. Sua onipresença através de bonecos, camisetas, pôsteres e memes na internet tornava impossível esquecer sua existência. Figuras populares que atraíam a atenção de milhões de pessoas e despertaram expectativas e teorias em torno de seus respectivos desfechos narrativos.

As grandes sagas que se contam a partir de capítulos ao longo de muitos anos são propícias a uma sobrevida em discussões acaloradas na tentativa de se descobrir ou que vai ou deve acontecer na história. Umberto Eco explicava a produção cult como aquela que – exatamente pela sua natureza fragmentada – permitia ser montada, remontada e ressignificada por cada um que a consumia. O emaranhado de enredos, núcleos e arcos dramáticos de “Vingadores” e “Game of Thrones” deixava tantas pontas soltas e possibilidades de cruzamentos que parte da diversão para os fãs das franquias era se perder em seu labirinto de possibilidades futuras. E desta forma, com o apelo popular e o grande investimento em publicidade de seus produtores, as duas produções chegaram ao fim como verdadeiros acontecimentos audiovisuais.

“Vingadores: Ultimato” foi sucesso de público e crítica, entregando uma conclusão emocionante que, aparentemente, agradou àqueles que acompanhavam a história por tantos anos. Já “Game of Thrones” provocou reações divididas e muitas polêmicas em seus capítulos derradeiros. Pode-se dizer que a estreia destas duas populares produções foram acontecimentos planejados. Mas a oitava temporada de “Game of Thrones” pode ser considerada um acontecimento em seu sentido mais claro: o rompimento de expectativas que provoca choque e obriga a rearticulação de sentidos. Ao ir para um caminho que se distanciava – ou se aproximava de maneira torta – daquilo esperado pelo seu público, a série desarticulou teorias, remodelou arcos de personagens e gerou brigas nas redes sociais e a revisão de capítulos anteriores por parte dos fãs para dar conta do acontecimento que se abateu sobre eles. É curioso que uma série que ficou famosa pela quebra de expectativas chegue ao final cercada de críticas negativas exatamente… por quebrar expectativas.  

O destino de Ned Stark e Oberyn Martell, assim como o Casamento Vermelho e a traição a Jon Snow foram acontecimentos dentro da série que surpreenderam de tal forma que forçaram a ressignificação do sentido da trama apresentada. “Game of Thrones” trazia estes momentos que ressignificavam o passado e modificavam o futuro com tal potência que colocava o espectador inseguro quanto ao destino de seus personagens preferidos. Qualquer coisa poderia acontecer.

Ao chegar ao final, a oitava temporada trocou a narrativa bem elaborada que levava a estes acontecimentos bem construídos por uma trama apressada que atropelava etapas na ânsia de acabar logo e que acabou por provocar o efeito colateral de se tornar o acontecimento em si mesma. Não foi um fato dentro da série que quebrou as expectativas dentro do enredo, mas sim a série que quebrou a expectativa de seu público, rompendo a própria espera por surpresas para, ironicamente, surpreender.

“Game of Thrones” desfez a clássica jornada do herói, revelou a psicopatia de princesas libertárias e chegou ao fim provocando explosões de ódio e também defesas acaloradas por suas escolhas. “Vingadores: Ultimato” vai ser lembrado e celebrado como o fim que atendeu as expectativas e agradou seu público. Mas foi “Game of Thrones”, que por diversos e inesperados motivos, estabeleceu-se como o verdadeiro acontecimento audiovisual do momento.

Renné França
Gerente de Pesquisa e Extensão do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG).



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