Análise | Poder e Política

É só a Carne que é Fraca?

A análise observa como a Operação Carne Fraca e sua cobertura midiática – mesmo denunciando a sempre suspeita produção industrial de carne no Brasil – é passível de controvérsia e desconfiança, pelo tom alarmista e alguns exageros. Por isso, o acontecimento ainda não foi normalizado, demandando maiores esclarecimentos e continuando a se desdobrar na vida social do país.
Foto: Ernani Ogata/Código19/Estadão Conteúdo

Foto: Ernani Ogata/Código19/Estadão Conteúdo

A Operação Carne Fraca sacudiu o noticiário e as conversas cotidianas pelo país. A denúncia é que, segundo a Polícia Federal, fiscais do Ministério da Agricultura estavam  recebendo propina para autorizar o comércio de carnes em estado indevido, com quantidades químicas e produtos não regulamentados, ou mesmo carnes em estado de podridão com embalagens trocadas após a data de vencimento. A PF alegou que essa foi sua maior operação já feita: cerca de mil policiais cumprindo, em seis estados, 27 mandados de prisão preventiva, 11 de prisão temporária, 77 conduções coercitivas e 194 mandados de busca e apreensão.

Semanas após a deflagração da operação – que investiga a produção adulterada e venda ilegal de carnes por frigoríficos, como as dos conglomerados BRF (Sadia e Perdigão) e JBS (Seara e Friboi) – ainda há reverberações desse acontecimento na mídia e sociedade. O que um acontecimento desta magnitude revela?

Observemos alguns efeitos: a imagem do agronegócio brasileiro sentiu, no mercado global, o impacto negativo das denúncias, enquanto, aqui, notou-se o desespero dos consumidores sobre os produtos principalmente de grandes marcas de carne e congelados. A desinformação em torno da operação é grande: uma carta do Instituto de Defesa do Consumidor para o Ministério da Justiça e o Ministério da Agricultura pede esclarecimentos à população sobre os recalls e suspensões, e exige maior transparência da operação para a sociedade.

O estardalhaço da Carne Fraca suscitou várias desconfianças com ares de “teoria da conspiração”, catalisadas nas redes sociais digitais. Ainda que as teorias não se confirmem, é inegável que os resultados da operação e de sua cobertura foram convenientes tanto para interesses estrangeiros desejosos de diminuir a competitividade de “nossas” empresas, quanto para o (des)governo Temer, levando em conta que o foco das notícias deixou de ser, ao menos por um momento, a “onipresente” Lava-jato e medidas que apontam para a precarização do trabalho brasileiro.

Além da aparente estratégia da PF em usar a grande mídia como fator de pressão (construindo a operação de tal forma a obter a maior visibilidade possível), o noticiário também exagerou, “sensacionalizou”. Tanto que alguns veículos relativizaram o alarmismo e procuraram separar dúvidas e exageros de fatos apurados até agora, por exemplo, explicando o suposto caso do “papelão na carne”. Como as empresas investigadas patrocinam a grande mídia, o terreno para “teorias da conspiração” sobre o mea-culpa do noticiário também é fértil.

De um lado, o Governo Federal tenta minimizar o “pânico” gerado pela operação na sociedade e no mercado nacional, reforçando, por exemplo, que são investigados apenas 0,43% dos 5 mil frigoríficos no país. Além disso, órgãos estatais e civis criticaram as irregularidades das investigações. De outro lado, é perceptível um medo público em torno da ameaça de estamos diante um esquema criminoso maior do que parece. O acontecimento ainda não foi normalizado.

Afonso Sepulveda
Mestrando do PPGCOM-UFMG
Pesquisador do GRIS

Gáudio Luiz Freddi Bassoli
Mestre em Comunicação pelo PPGCOM-UFMG
Pesquisador do GRIS



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