Nas últimas semanas, os inúmeros benefícios recebidos por membros do judiciário brasileiro trouxeram à tona discussões sobre os privilégios que algumas categorias, com salários acima da média nacional, têm acesso.
A existência de auxílios complementares a salários de profissionais de diversas categorias existe há muito tempo, funcionando como uma forma de incentivo ao trabalhador, e normalmente nunca causou nenhum incômodo à população, pois aparentemente era algo justo e compensador aos méritos de quem os recebia. Porém, a atitude do juíz auxiliar do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ/MA), Carlos Roberto Gomes de Oliveira Paula, modificou esta questão e trouxe a conhecimento público os inúmeros benefícios pagos a uma das categorias mais bem pagas do país, a dos magistrados.
O que surpreendeu a sociedade civil e causou revolta em grande parte de seus colegas de profissão, foi a solicitação do juíz ao Tribunal de Justiça dos auxílios que recebia – moradia, saúde, alimentação e para compras de livros – que, no total, podem chegar a 10 mil reais, equivalentes a quase 30% do valor do salários, que chegam próximos a mais 30 mil reais.
Como resposta ao pedido do juíz do TJ/MA e a uma lei que tramita no Congresso Nacional que limita acréscimos a salários que são acima do teto nacional, outros juízes, desembargadores e representantes do Ministério Público fizeram uma caravana até Brasília para solicitar a manutenção dos benefícios, tento como principal justificativa a permanência da “autonomia do judiciário”, que, segundo o juíz Fernando Bartoletti (presidente da Associação Paulista de Magistrados), vem sofrendo ataques desde o andamento da Operação Lava Jato.
Com as reações de seus colegas, o juíz Carlos Roberto Paula (TJ/MA), respondeu que o pedido de suspensão veio como uma forma de conscientização às críticas da sociedade, e que tais “penduricalhos financeiros ferem a Constituição”, uma vez que a categoria já tem salários suficientemente altos, sendo desnecessário o recebimento dos auxílios.
Com a reverberação das inúmeras notícias publicadas sobre a questão, foram levadas a público também irregularidades e imoralidades no pagamento dos tais auxílios. Por exemplo, foi conhecido que o juiz da Justiça Federal de Curitiba, Sérgio Moro – um dos principais atores da Lava Jato – recebe o auxílio-moradia (de mais de 4 mil reais), mesmo tendo imóvel próprio.
Diante de tais acontecimentos, uma coisa fica clara: a desigualdade salarial no Brasil assusta. Em um país que 22% da população (segundo dados do Banco Mundial) vive abaixo da linha da pobreza, e que o salário mínimo não consegue acompanhar sequer o reajuste anual da inflação, uma classe que já detém salários muito acima do piso nacional ainda dispor de auxílios tão vultosos aponta o quanto os já tão privilegiados dispõem do direito legal de ter mais privilégios. Além de que, do outro lado da cena, temos reformas sendo postas em pauta – a trabalhista e a da previdência – que limitam cada vez mais os direitos dos trabalhadores e que visibilizam quão imenso é o abismo da desigualdade do país.
Lívia Barroso
Doutoranda em Comunicação pela UFMG e pesquisadora do GrisLab