Os jornais têm mantido foco no noticiário político. Mas o mundo das celebridades, às vezes, surpreende e encobre um pouco esse furor. A separação de Fátima Bernardes e William Bonner abafou os comentários sobre o impeachment nas redes sociais. A morte de Domingos Montagner diminuiu as repercussões das denúncias oferecidas pelo Ministério Público a Lula. Por quê? Como assuntos considerados mais banais ganham tanto holofote frente a acontecimentos tidos como de interesse público?
Vivemos momentos de exaltação política, divisão de territórios ideológicos, disputas discursivas acirradas. Fazia tempo que o noticiário no Brasil dava tanta atenção ao cenário da política. A população está engajada em diferentes frentes, em nome do que crê ser melhor para o país. No entanto, dois acontecimentos recentes quebraram essa expectativa. A separação do casal de jornalistas Fátima Bernardes e William Bonner fez o impeachment da presidente Dilma Rousseff ser deixado de lado nas redes sociais. E as acusações do Ministério Público contra o ex-presidente Lula foram abafadas pela inesperada morte do galã da Rede Globo Domingos Montagner. Como notícias sobre celebridades possuem tanto impacto? Qual o poder de afetação dessas figuras sobre o público, que simplesmente fazem temas considerados mais importantes serem jogados para escanteio? – momentaneamente, claro.
Muitos podem achar os famosos frutos de uma cultura do frívolo, do supérfluo, do superficial. Mas a realidade nos mostra que eles exercem grande poder sobre nós, anônimos. Basta olhar para a quantidade de pessoas que foram à porta do velório do ator Domingos Montagner, morto após se afogar nas águas do Rio São Francisco. Os políticos podem estar ganhando mais espaço na vida da população, mas permanecem em um espectro muito longe da realidade cotidiana. O ator da Globo, presente todos os dias na tela da TV, criava uma proximidade com o público que o fazia parte da família, mesmo nunca tendo chegado perto do telespectador.
A questão é que as celebridades são exemplos de conduta, personalidades que elegemos para nos espelhar, com as quais nos identificamos. Assim, a morte de Domingos afetou grande número de pessoas porque ele era um modelo inspirador. Além disso, o falecimento repentino afeta porque evoca uma situação que poderia acometer qualquer um de nós. O acontecimento afeta mais porque também estamos vulneráveis e ele.
Podemos dizer o mesmo do divórcio entre Fátima e Bonner, fato que chocou o público e fervilhou as redes sociais. Há quase três décadas, a dupla estava todas as noites ali, na TV, informando a população. Mesmo quando Fátima ganhou sua atração nas manhãs da Globo, o casal seguia como um dos que mais tinha credibilidade no jornalismo do país. Além de exemplos de profissionais, também personificavam um sonho de família perfeita: mulher e homem bem-sucedidos com três filhos lindos. E, de repente, tudo desmoronou. O amor no qual muitos se inspiravam caiu por terra, ferindo os sonhos do público em torno do modelo de vida comum idílica que eles representavam.
Logo, este acontecimento afeta, e muito. Deixa os anônimos tristes, em desilusão. Tanto a separação como a morte são temáticas muito presentes no cotidiano dos não-famosos. Um impeachment ou uma denúncia afetam, claro, mas se encontram numa zona mais distante, em que não há muitas situações semelhantes a se comparar no cotidiano. Assim, a questão é mais complexa do que simplesmente taxar o mundo das celebridades de supérfluo. O herói e a estrela, por mais longe que estejam, habitam nossos sonhos, alimentam nossas ambições e referenciam nossas ações.
Juliana Ferreira
Mestranda do PPGCOM-UFMG
Pesquisadora do Gris
Esta análise faz parte do cronograma oficial de análises para o mês de setembro, definido em reunião do GrisLab.