A análise discute como as ocupações das escolas de São Paulo confrontaram uma medida administrativa da gestão pública do estado, reafirmando o papel da mobilização na política. O âmbito partidário, em crise, além de não dar conta de explicar o fenômeno, acaba enfrentando a população que representa.
A ocupação das escolas em São Paulo terminou na semana passada, em 5 de janeiro, após 55 dias. Há muito do que se falar: violência policial, criminalização, (falta de) cobertura da grande mídia… Nesta análise, concentramo-nos no fato que, durante o desenrolar do acontecimento, observamos entrar em jogo a política partidária, a política administrativa e a mobilização social.
No nível da política partidária, sabemos que a representação da população é dada através do voto aos que venceram as eleições: o PSDB de Geraldo Alckmin e seus aliados governam São Paulo. Por isso eles exercem a política administrativa, com o domínio da técnica, que daria sustentação à “reorganização escolar”, nome que o governo paulista deu para o projeto que fecharia 94 escolas. A justificativa que a divisão de ciclo por faixas etárias tem melhor resultado, por si só, é passível de controvérsia. Mas o pior é que a medida soou precipitada, como um simples corte de despesas.
O que a mobilização dos jovens e adolescentes de São Paulo fazem, no rastro das chamadas Jornadas de Junho*, é escancarar como a política não se limita ao domínio partidário. O apoio da Apeoesp (sindicato dos professores) e do MTST fez surgir a acusação de que a mobilização é “política” (partidária). Acusação que não se sustenta: as entidades, por maior vínculo que tenham com partidos, nem partidos são; e temos condição e liberdade para nos posicionarmos acerca da legitimidade ou oportunismo dos apoios, o que não muda o fato da educação ser uma questão que diz respeito a TODOS, não só aos estudantes das escolas atingidas. Hoje partidos conseguem a filiação de estudantes, sim, mas dificilmente dariam conta de controlar uma mobilização desta dimensão, com dezenas de escolas ocupadas.
Alunos, professores, familiares, comunidades, artistas: a participação no processo foi ampla. Com uma posição clara, ao reivindicar dos governantes que ouvissem sua população (e suspendessem a decisão precipitada); se contrapor, a partir da experiências das pessoas, aos argumentos técnicos (fazendo vir à tona outros argumentos técnicos contrários); sustentar a educação como um direito que deve ser garantido pelo Estado. De quebra, pode ter feito os índices de popularidade de Alckmin (“bom gestor” da crise hídrica e da “insegurança” pública) despencar de forma inédita em seu estado.
É certo que movimentos semelhantes, como a “revolução dos pinguins” no Chile (que inspirou a juventude paulistana) e as ocupações das universidades durante a ditadura militar no Brasil, formaram políticos partidários e, por isso, pode-se esperar que rostos que apareceram durante a manifestação em São Paulo estejam no noticiário futuro, dando-nos alegrias e desgostos em cargos eletivos. De qualquer forma, sabemos cada vez mais que, se não somos (bem) representados, temos meios de nos fazer ouvir para além dos partidos. Entre boas possibilidades e riscos, nós, brasileiros, fazemos política. Mesmo, ou talvez porque, não “gostamos de política (partidária)”.
*Não por coincidência, é impossível escutar o grito “Não tem arrego!”, pronunciado por jovens antes de saírem decisões judiciais contra a reintegração de posse pedida pelo governo, sem se lembrar do grito com sonoridade semelhante, “Não vai ter Copa!”, de 2013.
Gáudio Bassoli
Mestrando do PPGCOM-UFMG
Jornalista e membro do Gris
Esta análisefaz parte do cronograma oficial de análises para o mês de janeiro, definido em reunião do Grislab.