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#FreeBritney: as políticas envolvidas nas celebridades e no ativismo de públicos

 

(Foto: Reprodução)

Uma das cantoras mais bem-sucedidas do mundo, ícone pop, dona de 15 recordes do Guinness Book, símbolo de uma geração: Britney Spears sempre foi objeto de projeção de milhares de pessoas ao redor do planeta. No entanto, como ela adverte em uma das melhores músicas pop já lançadas, “Piece of Me”, a fama nem sempre é doce. Are you sure you want a piece of me?

Em 2006, a imagem pública da Princesa do Pop começou a sofrer seus primeiros abalos sísmicos. Adeus à garotinha angelical que conquistou o mundo aos 17 anos de idade, a “Miss American Dream” que tinha as habilidades de dança singulares dos irmãos Jackson e o star power de Madonna; entrava em cena a Britney complicada, afogada em meio ao peso da fama que transbordava e invadia seus conflitos pessoais. O tsunami foi arrebatador: abuso de drogas, diagnósticos de depressão e transtornos bipolar e de ansiedade, perda da guarda dos filhos, assédio intenso dos paparazzi, manchetes dizendo que sua carreira havia acabado.

Em janeiro de 2008, no auge do turbilhão público que era a vida de Britney, a artista foi hospitalizada em um hospital psiquiátrico involuntariamente. No mesmo dia, seu pai Jamie Spears e um advogado conseguiram uma ordem judicial, expedida no estado da Califórnia, para que Britney fosse submetida a uma tutela completa, que lhes deu controle completo de todos os aspectos de sua vida pessoal e financeira. Parecia um passo óbvio para salvar a vida e o legado de uma das pessoas mais famosas do mundo.

Logo, a vida de Britney parecia voltar aos rumos. Lançou o álbum “Circus” no mesmo ano, emplacando recordes e prêmios; também lançou um documentário retratando seu retorno à indústria musical, uma coletânea com seus maiores hits e embarcou em uma turnê mundial. Nos anos seguintes continuou lançando álbuns e fazendo turnês de sucesso, participando de programas televisivos e até engatou em uma residência de shows milionária em Las Vegas. Era o retorno de Britney à forma como artista e celebridade.

Corta para 2019. No início do ano, o pai de Spears sofre uma ruptura do cólon quase fatal na véspera do anúncio da nova temporada dos shows em Vegas; Britney, então, decide entrar em hiato indefinido, internando-se em uma clínica psiquiátrica para lidar com o stress da experiência. Na mesma época, fãs da cantora receberam uma mensagem anônima que davam outra versão para a história: o pai da cantora havia cancelado a residência porque Britney se recusava a tomar sua medicação psiquiátrica; ele, então, decidiu interná-la na clínica contra sua vontade. A mensagem também alegava que a tutela de Britney deveria ter terminado em 2009, mas que o pai e seu exército de advogados decidiram prorrogá-la por tempo indeterminado.

Neste momento, nasceu o movimento #FreeBritney: certos de que Britney estava sendo vítima de abusos de poder de seu pai, os fãs da cantora iniciaram diversas mobilizações online e offline para trazer atenção à situação da cantora, que nunca tocava no assunto e se ocupava em postar fotos de flores e vídeos de dança no Instagram.

(Foto: Reprodução)

A mobilização dos fãs começou a dar certo. Outras über celebridades, como Cher, Paris Hilton, Madonna e Miley Cyrus, se pronunciaram contra a tutela abusiva e clamaram pela liberdade de Britney. Em julho de 2020, no embalo dos protestos contra a morte de George Floyd e o movimento Black Lives Matter, o #FreeBritney viralizou no TikTok e atingiu uma ampla audiência em todo o mundo, que se indignou com os meandros sombrios e cruéis do processo e impulsionou um abaixo-assinado contra a tutela na Casa Branca com centenas de milhares de assinaturas. Em meio ao acontecimento, espalhavam-se diversas teorias da conspiração, algumas que vieram a se confirmar – como o fato de que o pai de Britney havia obrigado a cantora a utilizar um dispositivo contraceptivo contra sua vontade.

Em fevereiro de 2021, o New York Times lançou um documentário que cobriu diversos aspectos problemáticos de toda a carreira de Britney, desde sua infância como celebridade mirim nos programas do Disney Channel, sua adolescência sexualizada na mídia estadunidense e a tutela de seu pai. Foi o estopim para que o movimento #FreeBritney não pudesse mais ser ignorado, nem mesmo pela própria Britney: pela primeira vez, a cantora falou dos aspectos turbulentos de sua vida em suas redes sociais, recebendo o apoio de celebridades, jornalistas e políticos. Poucos meses depois, em junho, Britney foi mais direta: acusou o pai, sua família e seus agentes de abuso de poder, de forçá-la a trabalhar incansavelmente e de sequestrar sua fortuna, além de criticar a justiça do estado da Califórnia pelo tratamento do caso, detalhando diversos episódios de coerção e conflito de interesses entre seus tutores e os legisladores.

Após meses de pressão pública, o pai de Britney entrou com um pedido de encerramento da tutela, sendo suspendido do processo até que a justiça aprecie a decisão. O time de agentes que gerenciava a carreira de Britney desde 2008, início da tutela, se demitiu após as alegações de abuso e coerção. O caso gerou debates sobre o sistema de tutelas dos Estados Unidos, onde pessoas podem ser completamente interditadas com a conivência de um juiz, um psiquiatra e um advogado. Desde então, leis estão sendo debatidas no Senado californiano para dar mais agência para pessoas submetidas a tutelas, mesmo se elas são consideradas “incapazes mentalmente”, como Britney foi. Audiências no Senado estadunidense também estão analisando legislações sobre tutela, citando o #FreeBritney como a maior influência para possíveis mudanças nessas leis. O atual governador da Califórnia assinou uma lei intitulada #FreeBritney, que aumenta regulações e inspeções para impedir casos abusivos de tutelas.

Logo após a suspensão do pai, Britney voltou a experenciar a liberdade: comprou o primeiro tablet da vida, pode dirigir novamente e ficou noiva do namorado de anos, Sam Asghari. Ao comemorar a decisão no Instagram, ela agradeceu aos fãs: “[…] foi por causa de vocês e de sua constante resiliência para me libertar dessa tutela [que] agora a minha vida está indo nessa direção! Eu chorei por duas horas ontem à noite porque meus fãs são os melhores e eu sei disso… Eu sinto o coração de vocês e vocês sentem o meu… eu sei que isso é verdade! Esperei mais de 13 anos pela minha liberdade! Novamente, time #FreeBritney vocês arrasam! Amo muito vocês e que Deus os abençoe”, completando a frase com vários emojis de coração e flores, como de costume.

 

NOTA DO AUTOR: Desde que esse texto foi finalizado, a Justiça estadunidense decidiu que Britney Spears finalmente está livre da tutela.

 

Pedro Paixão-Rocha
Mestrando em Comunicação Social pelo PPGCOM/UFMG e pesquisador do Gris