Análise | Especial Questões socioambientais

Dossiê Mariana: Omissos, oportunistas e “funcionários do mês”

A análise se volta para as posturas institucionais, em especial das autoridades públicas, sobre o rompimento da barragem em Mariana – bem como as reações nas redes sociais. Chamam a atenção os casos de omissão, de oportunismo e as relações promíscuas entre interesses privados e quem representa ou deveria representar o interesse público.

Alguns urubus ajudam o Corpo de Bombeiros a encontrar corpos das vítimas em Mariana, outros podem estar usando da tragédia pra se promover. Fonte: Hubpages.com

Alguns urubus ajudam o Corpo de Bombeiros a encontrar corpos das vítimas em Mariana, outros podem estar usando da tragédia pra se promover. Fonte: Hubpages.com

A omissão da empresa Vale, proprietária da Samarco, foi bem destrinchada na coluna de Miriam Leitão “Vale de lama”. A campanha Somos Todos Samarco dispensa comentários pela infelicidade da ideia. Chama-nos mais atenção o papel do poder público. A revista PISEAGRAMA deu um panorama do cenário inacreditável.

Dizer que a Samarco foi vítima do rompimento de sua barragem: foi isso que fez o secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais, Altamir Rôso, no mesmo dia do ocorrido. Ele absolveu a empresa da (ir)responsabilidade (a ser apurado apenas o grau; pois estão evidentes erros antes, durante e depois do rompimento), transformado-a em vítima de um fenômeno sem agenciamento humano.

Altamir se apressou, a presidenta Dilma Roussef não teve pressa alguma: visitou Bento Rodrigues uma semana após o rompimento. Afirmou que, num país continental, tem “muito desastre natural”; corroborando com as hipóteses de que tremores de terra, incapazes de derrubar construções centenárias, causaram a tragédia. “Não foi acidente” é um esforço que apareceu nas redes sociais digitais de reenquadrar esta narrativa oficial que foi sendo construída sobre o ocorrido. (Para enquadramento, ver análise anterior do dossiê).

Foi também nas redes que surgiu o título de “funcionário do mês”, ironizando o governador Fernando Pimentel ter dado entrevista na sede da Samarco – postura no mínimo inconveniente num momento em que é preciso deixar bem claro a autonomia do interesse público que o governante deve (ou deveria) representar em relação a interesses privados. O mesmo Pimentel, há alguns meses, falava em facilitar licenças ambientais para mineradoras…

Se há morte, há abutres. O senador Aécio Neves, talvez entre uma ida e outra ao Rio de Janeiro e desta vez sem “dar carona” para celebridades no voo, foi à Mariana e disse que “não é hora de apontar culpados”. Claro, pediu “esclarecimentos” que, se forem dados, vão passar pelos últimos doze anos em que seu partido esteve no governo do estado, fornecendo licenças.

O prefeito de Baixo Guandu, Neto Barros – seja por oportunismo, seja para fazer valer o melhor para a população de sua cidade ou uma combinação de ambos os fatores – é um ponto fora da curva: bloqueou a estrada de ferro da Vale com máquinas da Prefeitura, pedindo esclarecimentos. Sem tardar, o judiciário mandou suspender o bloqueio.

Falando em judiciário, o MP agora fará um pente fino nas licenças de barragens de rejeitos (antes tarde do que nunca!). Justiça seja feita: o MP fez denúncias contra a barragem de Bento Rodrigues antes da tragédia, que não foram aceitas.

Convenhamos: num país em que mineradoras financiam campanhas, inclusive com um “coincidente” aumento da generosidade quando na aprovação do novo Código de Mineração – segundo matéria do Estado de Minas -, há motivos de sobra para se desconfiar de nossas instituições. Posturas, em meio à falta de (com)postura, precisam ser cobradas.

 

Gáudio Bassoli
Mestrando do PPGCOM-UFMG
Jornalista e membro do Gris

 

Confira as outras análises do “Dossiê Mariana”:

Acontecimento, enquadramentos e responsabilidades (Terezinha Silva)

Rio Doce – Muito além de Bento Rodrigues (Raquel Dornelas)

O alto preço da fatura (Vera França)

Mobilização – Redes de afeto em torno do acontecimento (Marta Maia)

 

Esta análise compõe o “Dossiê Mariana” e faz parte do cronograma oficial de análises para o mês de novembro, definido em reunião do Grislab.



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