Ao fazer escolhas nada óbvias para a abertura da Olimpíadas – Abel Gomes, Fernando Meirelles, Debora Colker, Andrucha Waddington e Daniela Thomas -, a organização do evento presenteou o espectador brasileiro com a apresentação de um Brasil arejado, feminista, contemporâneo e cansado de seus velhos representantes.
No dia seguinte à Cerimônia de Abertura dos Jogos Olímpicos, me detive a uma opinião solta: “Graças a Deus não teve a Ivete Sangalo e a Claudia Leitte”. Estas, representantes deste Brasil suado, alegre, festivo e bebedor de cerveja, não tiveram lugar numa festa que presenteou seus espectadores com a apresentação de um Brasil mais contemporâneo e arejado, o Brasil que discute feminismo, questões de gênero e racismo nas redes sociais, festeja Elza Soares e dança Anitta.
Foi este Brasil, que não tolera mais a pequenês cultural que a grande mídia insiste em dizer que nos representa, que puxou o coro e vaiou o Acting President Michel Temer após seu discurso apressado e tenso. Pois bem-feito: é importante que Temer, seus cúmplices e apoiadores entendam que a vaia brasileira não se reserva apenas ao PT e seus personagens.
Reparando bem, a abertura inteira foi uma grande vaia à Michel Temer Corporation: as presenças de Caetano, Gilberto Gil, Wilson das Neves, Jorge Ben Jor, Elza Soares, Chico Buarque, Paulinho da Viola e baterias de escola de samba ao lado das grandes novidades que são Anitta, Karol Conka, MC Sofia e a Batalha do Passinho nos apresentaram o Brasil que, a um só tempo, se renova e permanece, que é muito negro, muito pobre, complexo e, não, não é dono desta alegria exacerbada e patológica que tendem a pintar em nossos rostos as visões de cultura menos alertas para as idiossincrasias que a própria Cultura (com C maiúsculo mesmo) carrega em si.
Uma abertura “de humanas”, eu diria. Não que seja necessário ter conquistado um diploma em Antropologia, Cinema ou Jornalismo para ser de humanas, mas, sim, estar atento e forte para a pluralidade, para as diferentes belezas, enxergar o óbvio com desconfiança e entender a grandiosidade da cultura brasileira. Assim sendo, é possível compreender a importância de termos Anitta entre Gil e Caetano (foi este, inclusive, quem sugeriu a presença da cantora na Cerimônia): mais tropicália, impossível.
A entrada de delegações minúsculas ao lado das imensas foram verdadeiras aulas de História e Economia gratuitas na TV aberta. Que a Palestina e os refugiados tenham tido suas próprias delegações, uma justiça mínima a ser feita pela existência e, principalmente, pela permanência dos indivíduos que as compuseram. O andar forte e embriagador de Gisele Bündchen, em comparação ao cambaleante, frágil e emocionado andar do ex-tenista Gustavo Kuerten serviu para nos lembrar também do quanto é arriscado viver.
E, então, os Jogos se iniciaram e o grande número de atletas mulheres, de origem pobre, negros, os que enfrentaram e ainda enfrentam imensas dificuldades para exercer sua arte, apresentando excelentes resultados, vem dando à Cerimônia de Abertura um tom quase que premonitório: nestas Olímpiadas, o óbvio não teria lugar.
Não, o povo brasileiro não pula Carnaval de Janeiro a Janeiro enquanto esquece suas dívidas. Mas, precisando dar uma festinha, sabe buscar o melhor que há entre nós: sua Cultura.
Júlia Porto
Professora de Educação Infantil
Mestra em Educação pela USP
Esta análise compõe o “Dossiê Olimpíadas” e faz parte do cronograma oficial de análises para o mês de agosto, definido em reunião do GrisLab.
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