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Dossiê Olimpíadas: Os fantasmas brasileiros e o espírito olímpico

As desventuras da tocha olímpica ao longo de seu trajeto, os problemas de infraestrutura, a desconfiança de estrangeiros e de brasileiros: antes dos jogos olímpicos começarem, muita coisa aconteceu. A preparação para o megaevento foi revelando no Brasil para o mundo, e até para si mesmo, um país complexo.

Imagem: Agência Brasil/EBC

Imagem: Agência Brasil/EBC

Antes da surpreendente cerimônia de abertura, que espantou brasileiros e estrangeiros com um belo conceito e execução, a Olimpíada já acontecia. É certo que, há algumas semanas, muitos de nós que acompanham os jogos hoje nem nos lembrávamos ou prestávamos atenção no assunto, como indicado em análise anterior do Grislab. Mas o controverso “espírito olímpico” se fazia presente.

A tocha olímpica, o símbolo da competição que talvez mais encarne o “espírito”, recebeu uma intensa cobertura jornalística (e destacamos nos links a seguir o olhar do portal El País Brasil). A mesma chama que, nas mãos de Vanderlei Cordeiro de Lima, ascendeu a pira olímpica, ao chegar há cinco meses, encontrou um país em convulsão política e econômica. Foi questionada por não seguir um trajeto que representasse “o Brasil real”. No contexto desfavorável, o fogo seguiu aceso, entre quedas, tentativas de ser apagado e a morte de uma onça (mais um “King Kong da vida real”, nos termos de análise anterior do Grislab).

Incidentes no trajeto da tocha não são inéditos na história das Olimpíadas, inédito é o número e talvez a demonstração dos cidadãos de um país tanto de rir quanto de resistir. Resistimos ao “espírito olímpico” “contra a corrupção”, “contra o golpe”, em favor de demandas regionais e locais. E rimos quando marcou-se uma “corrida para acender o baseado na tocha” ou quando assistimos à “maldição da tocha”: quedas e respectivas apropriações, seja na campanha publicitária da loja onde “os preços também caem”, seja na selfie de Zé Carlos, medalha de ouro em cara de pau.

Desconfiados, descontentes, sorridentes, resistentes; assim fomos assistindo e participando da aproximação dos jogos. Ainda que alguns tenham se vangloriado do sucesso estrutural da Copa do Mundo de futebol, lembremo-nos que o “sucesso” contabilizou nove operários mortos só em obras nos estádios: tínhamos motivos para esperar o pior. O episódio da ida e volta da delegação australiana para a vila olímpica, com uma vergonhosa fala do prefeito do Rio, foi um saldo consideravelmente positivo, na cidade em que ciclovia à beira-mar cai com impacto de onda.

Preconceitos de estrangeiros não resistiram ou se tornaram “pós-conceitos” desde o desembarcar na terra aonde também chegou Cabral. O medo de ataques terroristas e uma epidemia de Zika Vírus entre os atletas, por exemplo, está se demonstrando infundado. Já o assalto à delegação australiana (ela de novo) não desmentiu os temores quanto à segurança.

O “espírito olímpico” carrega uma série de contradições em si mesmo (dentre elas, o modelo esgotado dos megaeventos). Não bastassem elas, por aqui, a tocha iluminou um país com distribuição de renda vergonhosa, com uma sociedade excludente; em meio a um processo de impeachment controverso e a um (des)governo interino. Mas também com diversidade e riqueza cultural. Nossos corações se inflamam com amor e raiva de tudo isso. Tudo isso que nós vemos e, mesmo tantas vezes sem entender, sentimos. Tudo isso somos nós, brasileiros.

 

Gáudio Bassoli
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social – UFMG
Pesquisador do Gris

 

Esta análise compõe o “Dossiê Olimpíadas” e faz parte do cronograma oficial de análises para o mês de agosto, definido em reunião do GrisLab.

 

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Comentários

  1. Luciana Castro disse:

    Esperava mais do texto. Não consegui entender uma análise entre o comportamento do povo brasileiro e o espírito olímpico. Vi uma descrição cronológica dos fatos.

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