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Lula, a “delação midiática” e as violações democráticas

O senador Delcídio do Amaral (PT-MS), em delação premiada, cita o presidente Lula. A Polícia Federal faz uma intimação coercitiva para seu depoimento e a mídia brasileira, em especial a Rede Globo, entra em polvorosa, incitando a ideia de que Lula poderia ser preso. Dilma Rousseff nomeia Lula como ministro chefe da Casa Civil e o juiz Sérgio Moro, novo herói nacional, quebra o sigilo telefônico divulgando uma conversa dos dois. A quantas anda a nossa democracia?

Fonte: Estadão

Fonte: Estadão

A delação do senador Delcídio do Amaral (PT-MS), com 254 páginas, foi assinada no último dia 19 de fevereiro e divulgada da 15 de março. Em parte do depoimento divulgado no dia 03 de março pela revista Istoé, Delcídio menciona, dentre outras figuras políticas, o presidente Luís Inácio Lula da Silva como conhecedor dos esquemas de corrupção na Petrobrás, caso investigado pela Operação Lava-Jato da Polícia Federal.

A operação Lava-Jato teve início em uma investigação sobre doleiros ligados a Alberto Youssef, que tinha negócios com Paulo Roberto Costa, ex-presidente da Petrobrás. A partir da prisão dos dois em março de 2014, as investigações sobre desvios em obras da estatal passam a ser o foco da operação. Em troca de redução da pena, em agosto do mesmo ano Costa aceita colaborar com as investigações e a delatar outras figuras envolvidas com o esquema. Já Delcídio do Amaral foi preso em dezembro de 2015 e também resolveu se beneficiar com a delação. Além de Lula, também foram citados por Delcídio Renan Calheiros, Aécio Neves, Michel Temer e Eduardo Cunha.

Diante da delação, foram acesos os holofotes, mas a direção da luz é seletiva. De todos os citados pelo delator, apenas o presidente Lula foi convocado coercitivamente para depor. Diante da coerção, os veículos de mídia fazem cobertura intensiva e ininterrupta; a Rede Globo, por exemplo, interrompeu sua programação matinal para esperar os resultados do depoimento e acompanhar as manifestações contra e a favor do presidente. Neste contexto, ganha visibilidade o juiz Sérgio Moro, transformado em herói nacional.

Esse acontecimento tem clara ligação com a campanha presidencial de 2018 e com o objetivo de destruir a imagem pública de Lula, que ainda representa um risco aos partidos de direita, porque, caso seja candidato, tem grandes chances de voltar à presidência. Suposições à parte, acontece que dentre os citados por Delcídio esteve também o senador Aécio Neves (PSDB-MG), naquele momento mencionado pela quarta vez. Ele não foi intimado a depor, muito menos coercitivamente. Tampouco a mídia deu ênfase à sua participação nos esquemas de corrupção na empresa estatal Furnas.  Atente-se que nenhum dos outros citados também aparece.

Em consequência disso tudo, em meio a uma crise política e econômica no Brasil, Lula, como uma figura articulada e estratégica, foi nomeado na quarta-feira, 16, Ministro Chefe da Casa Civil. A nomeação feita pela presidente Dilma Rousseff deixou novamente a mídia bastante agitada. No mesmo dia, o juiz Sérgio Moro divulga grampos realizados no telefone do ministro Lula e inclui uma ligação da presidenta, o que fere o foro privilegiado que ambos dispõem. Além disso, uma série de interpretações – e até representações – em torno do que foi dito permeou o noticiário nacional.

Novos capítulos: na sexta,  18, o juiz Gilmar Mendes suspende a nomeação (a causa alegada é a suposição de que a nomeação visa impedir a prisão de Lula). O que significa este quadro de suspensão? E quais são as próximas cenas desta história? Polêmicas sobre ‘quem está errado’ mascaram um atentado à democracia e ao Estado de Direito. A consumação do golpe e a defesa contra o golpe estão mobilizando a sociedade. Dá para pensar nisto – o futuro de nosso país à mercê de uma queda de braços?

 

Gisa Carvalho
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFMG

 

Esta análise faz parte do cronograma oficial de análises para o mês de março, definido em reunião do GrisLab.



Comentários

  1. Eduardo Henrique Rodrigues Oliveira disse:

    Vamos para minha análise. Em primeiro lugar, Lula não foi o primeiro na Operação Lava Jato a depor coercitivamente. Houve dezenas de investigados que tiveram a mesma ação e não houve nenhuma represaria por parte do PT ou outros movimentos sociais. Qual o motivo? Entendo que o fato se tornou acontecimento, ganhou repercussão, a partir do momento que foi realizado com um ex-presidente. E bem, isto não quer dizer que não vá acontecer com Renan Calheiros, Aécio Neves, Michel Temer e Eduardo Cunha, caso sejam investigados e sejam alvos das Lava Jato, como é o caso do Lula.
    O acontecimento não tem claro objetivo de destruir uma imagem pública. Ele foi ocasionado pelo fato de uma operação que tem por objetivo investigar o desvio de 32 bilhões de reais no maior esquema de corrupção da história do Brasil. No início, ninguém imaginava que um ex-presidente estaria supostamente envolvido. O impacto da cobertura midiática, obviamente, se dá pelo fato de um ex-presidente ser alvo dessa investigação, dentre centenas de pessoas. Qual o lugar do mundo não teria essa repercussão?
    Aconselho a ver um documentário sobre o papel da Polícia Federal nessa operação. Quando começaram a investigar, todos achavam que os desvios não passavam de R$ 100 milhões. Após um dos depoimentos de um dos diretores da Petrobrás, eles viram que o trabalho seria 200 vezes maior que imaginaram. A rede de corrupção envolvida centena de pessoas.
    Além disso, após a Lava Jato, a intenção da equipe da PF é se tornar uma equipe permanente de combate a corrupção. Ou seja, Aécios, Cunhas e Renans da vida que aguardem.
    O grande trunfo de toda essa crise na política e seus acontecimentos é somente um: a chama da política finalmente acendeu e penetrou transversalmente e verticalmente na sociedade brasileira. O que vemos é uma intolerância a corrupção como nunca se viu no país, ainda que existam cidadãos a defender.
    Crítico e volto a criticar no Grislab: a parcialidade é óbvia no seu texto e isso compromete a pesquisa. Nós da comunicação temos que ser mais inteligentes que isso. Nós formamos pessoas para trabalhar na mídia, inclusive na Globo. Já cansamos de saber a ação comunicativa é negociada. Teoria hipodérmica já era. Além disso, acredito que poderia ter colocado outras perspectivas, como as manifestações pró e contra ao governo, o significado dos acontecimentos perante a sociedade, o envolvimento do judiciário (algo inédito na nossa história), etc.

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