Todos, ou pelo menos a maioria de nós, desejamos dias melhores desde antes da pandemia. Se estamos sendo divididos, é pela pressa.
O Brasil há muito tem pressa: na segunda metade do século passado e no começo deste, passando por diferentes regimes e governos, sentimos diversas vezes que era nosso momento. Ouvimos dos governantes bordões e programas como: “50 anos em 5”, “este é o país que vai pra frente”, “programa de aceleração do crescimento”, “acelera, São Paulo!”. Os momentos passaram.
Veio o coronavírus, o isolamento, e vozes se levantaram, exigindo que tudo ficasse como estava. Mas “sair do isolamento agora é querer voltar a mundo que não existe mais”, nos alerta tanto o especialista Atila Iamarino quanto a experiência em outros países. O prefeito de Milão, na Itália, pediu desculpas pela campanha “Milão não pode parar”: os números de italianos mortos são conhecidos. Acontecimentos fazem que o mundo não seja mais o mesmo. Nunca será, e muitos se recusam a aceitar.
Hoje, isolados, todos queremos voltar à rotina, queremos uma economia dinâmica, queremos liberdade. Alguns não só desejam como necessitam de uma alternativa, já assistindo suas despensas vazias e suas famílias com fome.
O que está nos dividindo é a pressa de alguns para voltar à normalidade. A pressa de quem, oportunamente, se aproveita dos nossos desejos e necessidades para promover os próprios interesses mesquinhos, as próprias ambições: fazer campanha eleitoral em plena pandemia, fazer carreatas — cheias de cuidados para não pegar o que chamaram “gripezinha” — exigindo a volta (muitas vezes dos outros) ao trabalho comercial.
Ora, estes não serão dias para passear na rua, e sim para cuidar dos nossos doentes, enterrar nossos mortos, garantir a sobrevivência com alguma dignidade dos mais pobres. Serão dias para nos isolarmos o máximo possível, para fazer o já famoso “achatamento da curva” de contaminados, poupando vidas.
No futuro, menos próximo do que gostaríamos, teremos mais tempo para encontrar alternativas macroeconômicas, defender mais vivamente nosso ponto de vista em disputas políticas, nos abraçar e beijar. O acontecimento se normalizará. A campanha “O Brasil não pode parar”, feita sem licitação por conta do nosso estado de calamidade, foi suspensa pela Justiça porque não é justa. O Brasil não pode apressar.
Gáudio Bassoli, Mestre em Comunicação Social pelo Gris