Análise | Especial Poder e Política

Dossiê “Política no Brasil” – A herança maldita de Cunha

A análise apresenta desdobramentos da passagem de Eduardo Cunha como presidente da Câmara dos Deputados, que não se encerram com seu afastamento do mandato e perpassam vários acontecimentos da trama da crise política, especialmente o inicio do governo Michel Temer.

Eduardo Cunha na capa do Jornal Metro, de São Paulo, edição de 6 de maio de 2016.

Eduardo Cunha na capa do Jornal Metro, de São Paulo, edição de 6 de maio de 2016.

Eduardo Cunha foi afastado do seu mandato no dia 6 de maio pelo STF. Se Gilmar Mendes se apressou em intervir no poder executivo, impedindo a posse ministerial de Lula (conforme discutido em análise do GrisLab), o tribunal demorou a “meter a colher” também no legislativo, em decisão tomada por unanimidade (11 votos). Curioso é que a judicialização da política é causada mais por ações dos eleitos pelo voto direto do que dos juízes: por um lado, Dilma não devia (eticamente e até estrategicamente) ter nomeado o investigado Lula; por outro, a Câmara não deveria estar protelando a cassação do mandato de Cunha (o processo do Conselho de Ética é o mais longo da história, durando até agora mais de 190 dias).

Em tempos de insegurança normativa (parte da herança maldita com a qual convivemos), Waldir Maranhão anulou a votação de impeachment, provavelmente inspirado nas “re-votações” de seu antecessor. Vale tudo, claro, se os interesses maiores do momento são atendidos – por isso Cunha aprovava o que queria e Maranhão preferiu “mudar de ideia”.

O afastamento temporário de Dilma Roussef (com motivos de justeza questionável segundo o insuspeito Joaquim Barbosa), protagonizado pelo agora ex-presidente da Câmara, é o capítulo mais grave de uma atuação vingativa. “Golpe” e/ou aplicação desproporcional da lei, fato é que há um precedente desestabilizador para governadores e prefeitos. Isso sem contar presidentes.

Falando em presidência, o governo de Michel Temer começa com a cara de Cunha: ministros “notáveis”, não pela capacidade técnica prometida, mas pelas condenações e investigações na justiça, e pelo que talvez houvesse de pior nas gestões anteriores (clã Sarney, Serra de FHC, Meirelles de Lula, Kassab de Dilma…). As mulheres que tiveram motivos de sobra para enfrentar Cunha (análise GrisLab) não se calam sobre a ausência de ministras no governo do primeiro presidente da república ficha-suja, citado na Lava-Jato, amigo do Eduardo.

Voltando ao “usufrutuário” de contas na Suíça, sendo meia-verdade que ele “reuniu o país na indignação” (conforme manchetes da grande mídia), permanece a questão de como determinados setores toleraram, quando não o apoiaram cinicamente. O empresariado que financiou a campanha, o meio neopentecostal que gestou a ascensão, os parlamentares que o elegeram líder dos deputados, MBL posando com ele em fotos “contra a corrupção”, insanos que disseram “somos milhões de Cunhas” e até mesmo o juiz Teori, que só colocou o afastamento em pauta às vésperas de um acusado sentar na cadeira de presidente da república (o que, por enquanto, Waldir Maranhão fará quando Temer se ausentar). Todos eles podem negar, se calar ou desconversar, com o “serviço sujo” feito. Mas o país que (desde o julgamento do mensalão) vem cobrando aqueles à esquerda dispostos a transformar condenados em heróis, deverá cobrar também os que chamaram de “meu malvado favorito” um personagem que está mais para “Nero brasileiro”.

Cunha incendiou o Brasil e se queimou. Já vai tarde.

 

Gáudio Bassoli
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social – UFMG
Pesquisador do Gris

 

Esta análise faz parte do Dossiê “Política no Brasil”, previsto em cronograma oficial de análises para o mês de maio, definido em reunião do GrisLab.
Confira as demais análises do Dossiê:


Comentários

  1. Luis A Bassoli disse:

    Só discordo quanto ao uso do termo ‘golpe’, mesmo entre aspas.. Muito bom o texto…

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