Em pleno surto da pandemia, Bolsonaro demite Mandetta e nomeia novo ministro da Saúde, em razão de discordância quanto às medidas de restrição.
Não se troca um técnico de futebol no meio de um jogo nem se o time estiver perdendo, e menos ainda se a partida estiver indefinida. Esse foi o comentário de Flávio Dino, governador do Maranhão, a propósito da substituição do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, pelo presidente Bolsonaro.
De fato, para um observador externo, a troca do titular da Saúde no meio da pandemia — considerando inclusive que sua atuação vinha sendo elogiada por amplos setores da sociedade — pareceria incompreensível. Profissional da medicina, Mandetta defendeu o isolamento como medida de contenção do vírus, conforme as diretrizes da OMS. Alterando sua atitude anterior, ao menos publicamente passou a ser um forte defensor do SUS, cobrando mais verbas para o fortalecimento do sistema e atuando em consonância com os governadores e com as secretarias da Saúde dos estados. Mas para o presidente da República e seu clã, o enquadramento e o critério de ajuste não é a competência técnica específica e nem mesmo os resultados, mas a obediência às suas determinações. Os “subordinados” devem acatar suas ordens e não podem alcançar maior prestígio que ele. (Pesquisa Datafolha, divulgada no dia 23 de março, mostrava que 55% dos brasileiros aprovavam Mandetta, contra 35% conferidos a Bolsonaro).
O presidente não admite divergências em seu governo, como tem feito ecoar nas manifestações públicas que tem convocado. A ameaça de demissão do ministro esteve no horizonte desde março, e foi concretizada em 16 de abril. No seu lugar foi nomeado Nelson Teich, médico oncologista carioca e empresário do setor. Teich não tem nenhuma experiência em saúde pública, mas já era próximo do presidente, tendo atuado como consultor informal durante sua campanha eleitoral. No momento da nomeação, o ministro empossado afirmou seu alinhamento com o pensamento de Bolsonaro. Com relação a quê, especificamente?
Junto com o novo ministro, o presidente nomeou ainda o almirante Flávio Rocha, também sem experiência na área da saúde, para assessorar a transição e ser a voz de Bolsonaro no órgão.
Chamamos “sub-acontecimento” um acontecimento que se dá no quadro de outro maior, orientando seu desdobramento, explicitando seus sentidos. Para a maioria de nós, o grande acontecimento que estamos vivendo é a Covid-19 — essa pandemia que atinge proporções mundiais, com mais de 2 milhões 614 mil contaminados, que já matou 182 mil pessoas e ainda não encontrou um tratamento ou vacina. Nesse quadro maior, a mudança desperta apreensão na perspectiva de como o novo ministro vai agir com relação ao vírus, e quais serão seus objetivos. Ou seja, dentro do acontecimento coronavírus, a troca de ministros da Saúde impacta diretamente no desenrolar da doença no país.
Para Bolsonaro e seus filhos, o quadro é outro: o sub-acontecimento diz respeito ao afastamento de um ministro “indisciplinado”, uma manobra para assegurar e fortalecer o próprio poder, suspender vozes discordantes, perseguir e eliminar os opositores. Acontecimentos desorganizam e demandam intervenções no sentido de reorientar seus rumos. A leitura e a intervenção do presidente não deixam dúvidas quanto ao rumo que ele está buscando imprimir: não é a saúde, não é o país que estão em causa, mas seu projeto de poder. Ao povo (a nós) as consequências.
Vera França, professora titular de Comunicação Social da UFMG e coordenadora do GrisLab