A lógica é matar ou morrer?
Hugo Silva, 14 anos, morto em uma ação policial. De um lado os policiais alegam legítima defesa; do outro, uma testemunha afirma que é assassinato.
Noite de segunda feira, 14 de setembro de 2015. Um grupo de quatro jovens conversa em uma esquina do bairro Pompéia, região leste de Belo Horizonte, quando uma viatura da polícia militar se aproxima. Os jovens se dispersam e os policiais seguem Hugo Vinícius Braz da Silva, de 14 anos e outro adolescente de 17. Ao ser abordado, Hugo continua a correr, saca uma arma e os policiais, então, atiram no garoto, que é baleado nas costas. O adolescente é levado para o Hospital João XXIII, mas não resiste ao ferimento e morre.
No boletim de ocorrência, os militares contam que dispararam duas vezes e que a ação ocorreu depois da meia-noite. O sargento Luciano de Abreu Ramos e o cabo Ricardo Costa de Andrade alegaram que os tiros foram em legítima defesa, já que o menor teria se negado a entregar a arma. No entanto, a única testemunha do caso, o jovem de 17 anos, nega a versão dos policiais e afirma que Hugo teria mantido a arma, uma réplica de pistola, na cintura e que os policiais teriam atirado no garoto, não duas, mas cinco ou seis vezes. O adolescente afirma ainda que ao invés de ser conduzido para o Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional (CIA–BH), foi levado primeiro para o 22º Batalhão de Polícia Militar, onde foi obrigado a ensaiar a versão a ser apresentada na delegacia, na qual ele teria ouvido apenas dois disparos.
Os policiais foram presos na data do crime. No entanto, no dia 23, tiveram a prisão revogada. Segundo a Polícia Militar, o pedido de soltura foi aceito pela Justiça porque os policiais têm mais de 15 anos de serviço público, não apresentam ameaça à sociedade e se comprometeram a não prejudicar as investigações. O inquérito foi concluído no dia 28, mas o processo corre em segredo de justiça. No entanto, segundo reportagem do G1 (link), uma fonte ligada ao inquérito afirmou que a dupla foi indiciada por homicídio. Enquanto o processo não é concluído, os policiais continuam trabalhando, mas não estão atuando na região onde o caso aconteceu.
Ao olharmos para este acontecimento, percebemos que a morte de Hugo ganhou ampla repercussão na mídia mineira. No entanto, o que ganha destaque na cobertura midiática não é a morte em si, mas as contradições em relação ao caso e com isso a própria definição do acontecimento. Se os policiais estão dizendo a verdade, o caso é definido como legítima defesa e, Hugo, ao invés de vítima, se enquadra no papel de bandido, que ameaçava a vida dos policiais, operando então a lógica do matar ou morrer. No entanto, se a versão do adolescente é a verdadeira, os quadros de sentido são tensionados, os policiais passam de vítimas a assassinos e a ação policial torna-se condenável, na medida em que mataram um inocente.
Sem nos prender aos rótulos de quem é inocente ou culpado, cabe nos perguntar o que esta morte diz de nós, enquanto sociedade, e das nossas formas de entender a justiça. Diante desta sensação de impunidade, muito comentada pela mídia, percebemos muitos discursos favoráveis ao justiçamento, à tolerância zero com a criminalidade, como se matar fosse solução para a redução da criminalidade. Tal pensamento também legitima a ação policial violenta e desnecessária e deixa de questionar, por exemplo, o despreparo dos policiais que atuam nas ruas e suas formas de abordagem que muitas vezes culminam em agressões e mortes.
Fabíola Souza
Doutoranda do PPGCOM/UFMG e pesquisadora do Gris.
Saiba mais sobre o caso:
http://www.otempo.com.br/cidades/pol%C3%ADcia-civil-conclui-inqu%C3%A9rito-1.1125535