Três casos de estupro marcaram o início das Olimpíadas no Brasil. No entanto, enquanto as mulheres merecem destaque por terem denunciado os agressores, o Comitê Olímpico se destaca pela omissão nos casos.
31 de julho de 2016. As Olímpiadas nem haviam começado e o Parque Olímpico ganhava visibilidade por ser palco de um crime. O supervisor de segurança, Genival Ferreira Mendes, foi preso em flagrante pelo estupro de uma bombeira civil que trabalhava com ele no Velódromo do Parque Olímpico. No dia 05 de agosto, a Vila Olímpica ganhava destaque pelo mesmo crime, desta vez, cometido pelo boxeador marroquino Hassan Saada, de 22 anos, a duas camareiras que trabalhavam nas acomodações dos atletas. Três dias depois, o também boxeador Jonas Junias, representante da Namíbia e de mesma idade, foi preso pelo estupro de outra camareira também na Vila Olímpica.
Nestes três acontecimentos, um ponto que chama nossa atenção e que foi pouco problematizado na cobertura midiática, é o fato das quatro mulheres serem vítimas de estupro no local de trabalho. A bombeira civil acordou com o segurança tocando-lhe os seios e a genital e as camareiras foram agarradas pelos boxeadores, que tentaram beijá-las à força, sendo que o boxeador da Namíbia chegou a oferecer dinheiro em troca de sexo.
Se podemos destacar, nestes acontecimentos, o protagonismo das quatro vítimas, que não se calaram e denunciaram seus agressores por estupro, mesmo sem a consumação do ato sexual (o que revela que as mulheres estão conhecendo melhor seus direitos e fazendo-os valer), não podemos deixar também de destacar a omissão do Comitê Olímpico e dos demais responsáveis pelos Jogos. Ao se referir ao caso de estupro no Velódromo, o ministro do Esporte, Leonardo Picciani classificou o caso como “pontual” e o Comitê Rio-2016 notificou a empresa terceirizada pela conduta antiprofissional do funcionário. No caso dos atletas, os crimes foram tratados pelo Comitê como uma questão particular, restrita à polícia. Nenhum dos atletas foi afastado das competições, nem mesmo desclassificados pelo Comitê Olímpico Internacional. Jonas Junius fez sua primeira luta um dia após ter recebido o habeas corpus e o marroquino Hassan Saada só não competiu porque não conseguiu comparecer à pesagem, já que estava preso naquele momento.
No que se refere à cobertura midiática, percebemos que enquanto o estupro do Velódromo ganhou visibilidade apenas na prisão do acusado – a ponto de não sabermos se o segurança permanece preso -, os estupros na Vila Olímpica ganharam ampla visibilidade desde a prisão até a soltura dos atletas. No entanto, nos três casos, vemos que as vítimas tiveram pouca ou nenhuma voz. Os fatos são contados a partir da versão oficial da polícia, com base nos dados do boletim de ocorrência (BO), sendo a cobertura midiática predominantemente descritiva. Além disso, apesar dos atletas terem a prisão decretada por estupro, em muitos meios de comunicação percebemos que a palavra estupro foi substituída por paliativos como ato libidinoso, assédio sexual, tentativa de estupro.
Estes casos de estupro revelam que não basta que o Código Penal Brasileiro enquadre como estupro qualquer ato com sentido sexual praticado sem consentimento, se a punição para esses casos ainda não é efetiva; se no cotidiano as abordagens violentas de homens em relação às mulheres não são problematizadas, muito menos entendidas como crimes; se as vítimas continuam sendo vistas com desconfiança e até mesmo como provocadoras do ato. Não basta as mulheres falarem, se a sociedade ainda se cala.
Fabíola Souza
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UFMG
Pesquisadora do Gris
Esta análise compõe o “Dossiê Olimpíadas” e faz parte do cronograma oficial de análises para o mês de agosto, definido em reunião do GrisLab.
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