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A cruzada herege contra a educação e ciência no Brasil

O Brasil vem presenciando, ao longo dos últimos meses, um completo programa de desmonte da educação pública superior, através da proposição do Future-se e os cortes nas principais agências de fomento do país.

Foto: Valter Campánato/Agência Brasil

Desenhado para prover “maior autonomia financeira” nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), o projeto Future-se, do MEC, propõe uma série de ações “obscuras e amplas”:  fundos de investimento, inserção de organizações sociais privadas na gestão de atividades universitárias e até a contratação de professores por CLT. O ministro da Educação, por sua vez, vendeu a ideia afirmando que o professor universitário “poderá ficar muito rico” com lucros de suas pesquisas. No entanto, a apresentação-relâmpago, em um evento digno de grandes corporações, deixou a comunidade acadêmica brasileira apreensiva. Afinal, após a asfixia provocada pelo corte de 30% de verbas, no final de abril, o Future-se apareceu como uma tentativa de remendo e uma forma de desobrigar a União a destinar recursos para as IFES. Interpretações de diversas universidades, como UFMG e UFRJ, apontaram que a autonomia universitária entraria em risco. A adesão não é mandatória, mas abre um precedente para represálias do governo federal, especialmente depois do episódio da “balbúrdia”.

Após esse acontecimento, o governo federal provocou outra desestabilização na comunidade acadêmica: a nomeação de seis reitores que não estavam no topo da lista tríplice das IFES. A tradição, iniciada no governo Lula e mantida pelos subsequentes, não obriga o presidente a escolher o nome mais votado; no entanto, faz parte do próprio ecossistema universitário, garantindo sua autonomia. Ao escolher nomes alinhados com seu viés ideológico (UFC) e aqueles que nem mesmo estavam na lista (caso da UFGD e Cefet-RJ), o governo mandou um claro recado às IFES: ele faz o que lhe interessa.

Não bastante, foram anunciados cortes nas principais agências de fomento. Ao todo, quase 12 mil bolsas de pós-graduação foram bloqueadas na Capes; no CNPq, foram 4.500 bolsas, que seriam destinadas a alunos de graduação e pós stricto sensu, além da falta de garantia no pagamento de 83,4 mil bolsas de pesquisa já vigentes. Os anúncios instauraram pânico, pois provocam um efeito cascata: inicia com estudantes que não têm como sobreviver sem as bolsas, atingindo professores, cujas pesquisas seriam inviabilizadas sem a presença de estudantes de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado, impactando a produção científica do Brasil, a 13ª em publicações em todo o planeta. O governo prometeu recompor os orçamentos das agências, buscando cumprir pelo menos os contratos já firmados. Muitos, porém, não vêm esperança nessa promessa – principalmente devido ao vai-e-vem e indecisões nas pastas da Educação e Ciência e Tecnologia. Uma fuga de cérebros é passível de acontecer, interrompendo um trabalho de décadas para a consolidação da ciência no país.

Essa sequência de acontecimentos golpeou, em vários pontos, a comunidade acadêmica brasileira. Esta vem tentando sensibilizar a sociedade: modos de produzir divulgação científica vêm sendo discutidos e realizados, além de manifestações nas ruas, que não devem parar tão cedo. Apesar de um pouco tardias, tais ações mostram que a comunidade acadêmica não está imóvel ou ainda confinada à ‘torre de marfim’: para além de discordâncias de bandeiras e/ou pontos de vista, está a defesa da educação e ciência públicas e a construção de uma sociedade melhor.

Pedro Paixão, graduando em Jornalismo pela UFMG e integrante do Gris



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