Análise | Especial Questões socioambientais

Dossiê Brumadinho – Três anos após Mariana, a tragédia se repete

Na primeira análise do Dossiê Brumadinho, comparamos os rompimentos das barragens de Fundão em Mariana e do Córrego do Feijão em Brumadinho, explorando os paralelos e distanciamentos entre ambas.

Foto: Andre Penner/AP.

Em 25 de janeiro, por volta de 12h, mais uma barragem da mineradora Vale rompeu em Minas Gerais atingindo o município de Brumadinho e alcançando o Rio Paraopeba (um dos rios da bacia do São Francisco). Passados menos de 30 dias, a tragédia já não é mais manchete dos principais portais do país, sendo sucedida por escândalos na política e mortes, mesmo deixando (até 17/02) 169 mortos e 141 desaparecidos, além de incontáveis animais e plantas (aproximadamente 125 hectares de floresta atingidos).

Um acontecimento pode evocar outro: após três anos do rompimento da barragem de Fundão, é triste reler o dossiê feito pelo Grislab sobre o caso e perceber que pouca coisa mudou… Barragem da mesma empresa, sistema de segurança com sirenes que não funcionou, outro rio morto, desastre ambiental incalculável, outro território altamente impactado – e com ele, memórias e histórias destruídas para sempre. O primeiro rompimento continua “acontecendo”: pessoas continuam sem casas, sem indenização e sem resposta da Vale. A fundação Renova – criada para gerir as ações de recuperação do ambiente e reparação dos atingidos e impactados – não avançou de acordo com o esperado.   O maior desastre ambiental ocorrido no Brasil não serviu nem de lição para não ser repetido.

Ironicamente, alguns dias antes do ocorrido, o governador eleito Romeu Zema (Novo), comemorava encontro com representantes da Samarco e Vallourec para a reativação de minas no estado, gerando emprego e renda, mesmo com a opinião pública em contrário. Hoje, a imprensa noticia que ele estaria tentando barrar CPI para investigar o rompimento. Se uma luz de alerta se acendeu após Mariana em torno da atividade mineradora e seu alto custo para os envolvidos, foi apenas para uma parcela da população. Para a Vale, trocas de emails em 13/05/18 mostram que engenheiros já atestavam os riscos e sugeriam a paralisação das atividades na Mina do Córrego do Feijão. Quanto vale uma vida? 2,6 milhões de reais, segundo relatório de contingências da Vale, custo que é compensado pelo lucro da atividade mineradora.

Não só a Vale, mas o Estado também compactua com a tragédia. De acordo com a antropóloga e pesquisadora do Gesta-UFMG, Andréa Zhouri: “A licença para a expansão do complexo foi concedida apesar de advertência de pesquisadores, movimentos sociais, moradores do bairro de Casa Branca. […] O cronograma previsto pela própria Vale era para 2020. Nós ficamos surpresos com a pressa do licenciamento. Mostra a negligência dos órgãos públicos ligados ao licenciamento ambiental e à segurança de barragens no sentido de assegurar, de atestar a segurança das barragens. E a submissão desses órgãos aos jogos políticos de interesse próprio e de interesse da empresa. É o segundo desastre de proporção enorme da Vale em cerca de três anos. (…) Há um jogo por parte das empresas, e o estado é conivente.”

Os pais de uma vítima do incêndio da boate Kiss visitaram Brumadinho e falaram sobre a criação de um Observatório de Justiça que serviria para fiscalizar tragédias como essas e não deixar que fiquem sem punição. O que a historiadora e ativista feminista Rebecca Solnit escreve em outro contexto (massacres por arma de fogo nos EUA) se aplica ao acontecido:  “Mas os mortos continuam mortos, os enlutados continuam de luto e o cenário continua preparado para outros assassinatos”.

Laura Antônio Lima

Mestra em Comunicação Social pela UFMG



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