Análise | Poder e Política

As polêmicas ações do MEC, o retrocesso e a resistência

Das inacreditáveis ideias expressas pelos ministros da Educação até o anúncio de 30% de cortes no orçamento, uma série de ocorrências envolvendo o MEC revelam o modo como o governo Bolsonaro concebe a educação, e desencadearam ação coletiva visando a resistência ao projeto de educação e de país que pretendem impor à sociedade.

Foto: Rodolfo Buhrer/Reuters.

O Ministério da Educação é um dos que mais vêm acumulando ações controversas desde o início do governo de Jair Bolsonaro.  Das inacreditáveis falas e posturas dos que estão no comando da educação no país (primeiro, Ricardo Vélez Rodríguez durante 98 dias, e agora, Abraham Weintraub)  até o recente anúncio de 30% de cortes dos recursos nas instituições federais de ensino — tem-se uma sucessão de ocorrências apontando para consequências nefastas à educação e ao futuro do Brasil.

Recomendado pelo guru da extrema-direita brasileira, Olavo de Carvalho, o colombiano Ricardo Vélez durou pouco como ministro da Educação. Mas o tempo foi suficiente para pronunciar uma série de disparates, destilar preconceitos e anunciar decisões fortemente criticadas em diversos segmentos sociais pelas consequências que podem trazer à educação.  Em seus 98 dias no cargo, fez anúncio de mudanças no edital do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), para  a permissão de publicidade nos livros e a supressão da necessidade de revisões bibliográficas. Não fossem as fortes críticas, que resultaram em recuo por parte do  ministério, o material ficaria propenso a conter erros, incluindo revisionismos históricos, presentes nas convicções e discursos de muitos membros do governo, a exemplo do próprio Vélez, para quem 1964 não foi golpe e não houve ditadura militar no Brasil.   Também fez anúncio — seguido por recuo — da suspensão da avaliação da alfabetização de crianças até 2021, até que fosse implantada a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) . Além disso, Vélez teve tempo para ofender diretamente a população brasileira, ao dizer, em entrevista, que “o brasileiro viajando é um canibal”, fazendo acusações de furtos e utilizando-se disso para justificar e promover a necessidade da educação moral e cívica nas escolas, como nos tempos de ditadura militar.  A lista de suas polêmicas de Velez inclui ainda a autoritária criação, anunciada em 20 de março, de uma comissão para análise ideológica das questões do ENEM, a ser composta por um representante do MEC, um do INEP e um da sociedade civil.

A demissão de Ricardo Vélez – no contexto da série de polêmicas, das disputas e caos interno instalado no MEC, e  das cobranças públicas acerca dos projetos para a educação do país -, não trouxe, porém, nenhum alento. O novo ministro foi anunciado por Bolsonaro em  08 de abril em sua conta do Twitter: trata-se do “doutor” Abraham Weintraub, que não possui o doutorado informado, e, em menos de um mês, já ameaça gravemente a educação brasileira com pesados cortes de orçamento. Graduado em Ciências Econômicas pela USP e mestre em Administração Financeira pela Fundação Getúlio Vargas, Abraham Weintraub tem também o aval de Olavo de Carvalho.  Assim como Bolsonaro, Olavo e Vélez, ele também é defensor do combate ao “marxismo cultural”, teoria da conspiração propagandeada entre a extrema-direita e alimentada por paranoias anticomunistas. Weintraub também já protagonizou polêmicas recentes, como quando disse que o ato de filmar professores em sala de aula é “direito dos alunos” — o que, na verdade, tanto fere o direito de imagem do professor quanto cria um ambiente de censura interna, contrariando a liberdade de ensino e o pluralismo de ideias previstos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Se esta sucessão de ocorrências polêmicas envolvendo o MEC já evidencia a concepção de educação do atual governo – autoritária, acrítica, doutrinária -, o anúncio de cortes de recursos  na educação federal não deixa dúvidas de que o projeto é combater as universidades públicas. Combatê-las pelo espaço plural e crítico que promovem e representam, sendo elas, portanto, um obstáculo real ao pensamento e às práticas de extrema-direita que sustentam o atual governo, assim como ao modelo de país que se implanta no Brasil: desigual, autoritário e a serviço de interesses estrangeiros, sobretudo dos Estados Unidos.

O anúncio de cortes orçamentários começou pelas Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA). São três das melhores universidades da América Latina, nas quais representantes de partidos de esquerda haviam estado e se manifestado recentemente, o que evidencia a clara punição político-ideológica às instituições.   Após críticas pelo caráter de perseguição, o bloqueio orçamentário foi estendido a todos os níveis de ensino federal, do ensino básico à pós-graduação. Nas universidades, o contingenciamento chega a 30% das verbas discricionárias, que variam a cada instituição. Muitas estão sob risco iminente de fechamento, como a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), cuja Administração Central prevê que não haverá como funcionar a partir de agosto de 2019. Além disso, bolsas de pesquisa da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) também foram cortadas.

As ações do MEC apontam para o desmonte da educação pública no país, que vem se intensificando desde o golpe, disfarçado de impeachment, de 2016.  Propaga-se e ostenta-se, orgulhosamente, um ódio à educação crítica e de qualidade, especialmente às universidades públicas. O Brasil é governado por um presidente que diz que “ninguém quer saber de jovem com senso crítico” e que repudia Paulo Freire, patrono da Educação Brasileira e um dos mais importantes pedagogos do mundo. O país tem um governo que nega sua própria História, desvaloriza sua pesquisa e produção científica e trata professores como inimigos. Os novos ataques à educação brasileira – que visam essencialmente expandir o negócio privado sobre a educação, acentuar desigualdades socioeconômicas, garantir privilégios e acesso à educação apenas às elites -, conferem toda atualidade à famosa constatação do antropólogo e político Darcy Ribeiro: “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”.

Mas os ataques às instituições públicas federais têm provocado indignação entre estudantes, professores e pesquisadores de todo o Brasil. Além deles, são afetados pelos cortes também os demais funcionários das instituições e toda a comunidade que utiliza os serviços ofertados pelas universidades públicas, como hospitais e creches.  Mobilizações e protestos vêm acontecendo pelo país, a fim de pressionar o governo federal contra o corte orçamentário, caso da paralisação de 15 de maio.

Assim, se as polêmicas e preocupantes ocorrências envolvendo o MEC descortinaram uma triste e retrógrada concepção de educação e do seu papel social,  abriram também o caminho para a ação coletiva e para a resistência democrática contra o projeto de país e de educação que querem impor à sociedade.

Maria Helena de Pinho
Estudante de Graduação em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina, bolsista de Iniciação Científica/CNPq.

Terezinha Silva
Professora do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).



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