Análise | Diário da Quarentena Internacional Poder e Política

Radar COVID-19: experiência da crise na Espanha e perspectivas de políticas de vida (e morte)

Tratar do coronavírus como acontecimento é refletir sobre uma das experiências mais singulares do século XXI. Outro desafio que se soma à magnitude e à desorientação proporcional que ele causa é a amplitude dessa pandemia, só possível em função da velocidade e da intensidade do fluxo mundial de pessoas. Escrevo esse texto da  Espanha, um dos países que apresentam dados mais graves em todo o mundo, já tendo ultrapassado a China em contágios, com números acima dos 100mil.

Em Pamplona, mulher com máscara caminha em frente a uma loja com uma faixa em que se lê “juntos podemos fazê-lo. Não são férias. Fechado até novo aviso. Obrigado”. Foto: Álvaro Barrientos / AP

Na última semana, a Espanha teve que lidar com uma sequência de mais 900 mortos diários, sendo importante levar em consideração que tratamos de um país com aproximadamente 46 milhões de habitantes.

Frente a uma crise tão singular, falando desde uma perspectiva subjetiva, me parece irresistível refletir sobre a experiência do Corona Vírus na Espanha em seus tensionamentos de sentido com a realidade que enfrentamos no Brasil. Vivemos aqui uma das políticas de isolamento mais rigorosas da atualidade.

Só se pode sair de casa individualmente, para compras em estabelecimentos de alimentação, farmácia, ou para acompanhamento e auxílio de vulneráveis. Mesmo as breves saídas ao supermercado trazem uma tensão muito particular. Ruas extremamente silenciosas e vazias, polícias circulando o tempo todo para assegurar que as regras estejam sendo cumpridas, extensas filas nos supermercados em função do número restrito de clientes permitidos simultaneamente, somado ao distanciamento obrigatório de pelo menos um metro entre as pessoas.

Como o alastramento do vírus, mesmo com uma rede social na Espanha muito mais restrita que no Brasil, os infectados deixam de ser apenas números e passam a representar nomes. Amigos, conhecidos, pais, tios e avós de conhecidos, alguns internados em hospitais, outros em casa, vivendo os sintomas com a angústia de não ter a certeza do diagnóstico.

Acompanho também a ansiedade das pessoas em relação à situação econômica do país. Com mais de 30 dias de estado de alerta oficiais, alguns especialistas sugerem que o país retornará à grave situação pós crise de 2008, em que o desemprego atingiu 14% da população ativa. De acordo com dados do INE, o turismo representou 12,3% do PIB espanhol em 2019 (e 13% dos postos de emprego), atividade que tardará a se recuperar. O que quero dizer é que, guardadas as especificidades de cada país, o mundo todo sofrerá consequências econômicas graves em função da pandemia. O que sinto como diferença essencial quando observo as decisões políticas de isolamento e o que vivemos no Brasil é que aqui as vidas importam.

É claro que medidas de retomada da economia estão sendo discutidas, e que a conversa social ampliada, mais ou menos midiática, expressa com frequência o temor frente a esse cenário, bem como a exigência de que o poder público ofereça soluções possíveis. Mas renunciar às medidas de isolamento nunca foi uma opção. Me parece que o governo, bem como seus apoiadores e a oposição, concorda que a prioridade é que o máximo possível de pessoas possa sair viva disso.

Deixo claro que as medidas do governo espanhol estão longe de serem impecáveis. As críticas vão desde a baixa testagem à falta de material para os profissionais sanitários,  com o consequente alto índice de contágio entre eles (mais de 19mil pessoas). Governo e oposição discordam, mas negociam sobre o essencial, como é o caso dos decretos de isolamento.

Juliana Soares, doutoranda em Comunicação Social pela UFMG e pesquisadora do núcleo de estudo Tramas Comunicacionais, da mesma instituição



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