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Iniciativas de “choque” contra a pandemia enquanto o Planalto se ausenta

A falta de uma articulação federal faz com que cada estado (ou município) se posicione de modo distinto. Ações de choque ajudam a conscientizar sobre um problema que não parece estar tão óbvio assim, porque não preocupa muitos daqueles que detêm o poder de decisão.

Foto: reprodução / Instagram

Diante da inércia e do negacionismo que tomam conta do governo federal, e ainda da ausência de ações efetivas, muitos atores políticos tiveram protagonismo na tentativa de conscientização e combate à pandemia no Brasil. A falta de uma articulação federal faz com que cada estado (ou município) se posicione de modo distinto. Alguns apostaram em campanhas de comunicação para dar o recado e convencer a população a se isolar.

O caso mais emblemático provavelmente foi o da Prefeitura de Teresina-PI, em que o prefeito usou uma “comunicação de choque”, sobretudo nas redes sociais: uma imagem trazia em sua metade um caixão, na outra um sofá, questionando “em qual desses você prefere ficar?”; outra trazia um atleta com uma cabeça com símbolo de coronavírus, sugerindo que alguém saiu de casa para correr e pegou Covid-19; há também uma que sugere que alguém foi encontrar os amigos durante a pandemia e levou o vírus de penetra . A mais marcante certamente foi a campanha que levou três pessoas (dois empresários e uma autônoma) que se posicionavam contra o isolamento social para uma entrevista e, ao final, os convidava a dizer quem eles escolheriam, dentre três familiares próximos, para ocupar o único leito disponível de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em uma situação hipotética. A campanha com o slogan “Isolamento social é ruim. Pior ainda é perder quem a gente ama” reverberou no noticiário digital e televisivo nacional, além de viralizar na internet.

Chama atenção que, enquanto o governo federal troca farpas com governadores de oposição e ex-aliados (afastados justamente porque iniciaram campanhas pelo isolamento), no Piauí, o governo estadual e a prefeitura da capital, historicamente de oposição entre si, uniram petistas e tucanos em prol do combate à pandemia, o mínimo esperado em uma crise sanitária. As campanhas piauienses se destacaram por deixarem claro que a culpa do avanço da contaminação é também da população que tem condições, mas não faz quarentena.

Até mesmo o governo estadual paulista aderiu a campanhas de conscientização mais duras, quando, em abril, lançou peças com o slogan “#FiqueEmCasa – A economia a gente trabalha e recupera. A vida de quem a gente ama não dá pra recuperar”, contra as recomendações do governo federal de reabertura à época. João Doria pediu abertamente que paulistas não seguissem orientações do presidente, ainda que tenha iniciado recentemente um relaxamento da quarentena .

Em estados onde governos e prefeituras ainda teimam em apoiar uma política ineficiente e negacionista em relação à pandemia, como é o caso de Mato Grosso e Cuiabá, a falta de um contraponto ao discurso presidencial fez com que o judiciário tivesse de intervir. Mesmo com inúmeros representantes e gestores políticos contaminados e com a superlotação de leitos de UTI, a resistência em adotar lockdown (restrição mais forte à circulação de pessoas e disponibilidade de serviços) em toda a região metropolitana da capital fez com que um juiz da Vara Especializada da Saúde Pública de Mato Grosso interviesse e alegasse que não se pode esperar que um humano ou extraterrestre salve todos “com uma varinha mágica”. O resultado da necessidade de intervenção externa foi a lotação completa dos leitos há algumas semanas e a dificuldade de se realizar o lockdown na prática, porque o poder executivo não consegue planejar e enrijecer medidas.

A irresponsabilidade de se reduzir o vírus a uma “gripezinha”, seja por parte da esfera federal, estadual ou municipal, mata pessoas. As ações de choque ajudam a conscientizar sobre algo que não parece estar tão óbvio assim, porque não preocupa muitos daqueles que detêm o poder de decisão.

Tamires Coêlho, professora do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFMT, doutora em Comunicação pela UFMG e jornalista



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