Análise | Poder e Política

Justiça e privilégio

O Brasil vive cenário de insegurança jurídica em campos distintos do Direito, segundo diversos analistas. Não é diferente quando se trata do foro privilegiado. Observando acontecimentos anteriores à restrição do foro de parlamentares, nos perguntamos quais serão as consequências da medida aprovada pelo STF em 2 de maio de 2018.

Imagem por Jack Moreh

Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal decidiu restringir o foro privilegiado de deputados e senadores. Apenas crimes cometidos no exercício do mandato e em função deste mandato serão julgados diretamente pelo STF.

Controvérsias em torno do privilégio não faltam. Relembrando acontecimentos:

16 de agosto de 2004 – O então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, ganha status de ministro e direito de ser julgado apenas pelo Supremo, com uma série de denúncias de irregularidade fiscal pesando sobre ele. A medida foi assinada pelo então presidente da república, Luis Inácio Lula da Silva.

2 de agosto de 2012 – Ministros do STF, o relator do mensalão Joaquim Barbosa bate boca com o revisor Ricardo Lewandowski, sobre pedido do desmembramento do processo, que faria vários réus sem foro privilegiado serem julgados na primeira instância e não diretamente no Supremo.

27 de março de 2014 – STF manda processo de Eduardo Azeredo para a primeira instância. O réu renunciou ao mandato de deputado um mês antes, em aparente manobra para adiar sua sentença.

16 de março de 2016 – O juiz Sérgio Moro divulga grampo de conversa entre a presidenta Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula, onde Dilma diz que enviaria um “termo de posse” de ministro para Lula. Dilma procurava dar sobrevida política ao governo dela e o PT temia a prisão de Lula, dias depois dele ser conduzido coercitivamente num espetáculo midiático.

17 de março de 2016 – Dilma Rousseff nomeia Lula ministro da Casa Civil. Vários juízes entram com liminares pedindo a suspenção da posse.

18 de março de 2016 – O ministro do STF, Gilmar Mendes, suspende a nomeação, alegando desvio de finalidade (análise do GrisLab).

29 de março de 2016 – Sérgio Moro pede desculpas ao STF pela controvérsia criada com a divulgação do áudio de conversa entre Dilma e Lula.

3 de fevereiro de 2017 – Michel Temer promove Moreira Franco, citado em delações na operação Lava Jato, a ministro da Secretaria-Geral da Presidência, com status de ministério.

15 de fevereiro de 2017 – O ministro do STF, Celso de Mello, considera legal a nomeação de Moreira Franco.

Vejamos: o STF julga réus sem foro privilegiado, permite que réus com foro renunciem e sejam julgados na primeira instância; impede uma vez, deixa de impedir outras que alguém obtenha o foro privilegiado em aparente fuga da primeira instância…  No caso “divulgação do grampo”, sequer respeitamos o foro de uma presidenta da república.

A decisão do Supremo na semana passada levanta dúvidas: quais crimes serão interpretados como cometidos “em função do mandato”? Quais outros privilegiados, além dos congressistas, terão a instância de julgamento definida sob os mesmos critérios, aplicando-se o “princípio da simetria”? A farra do “muda o julgado, muda o critério de julgamento”, vai continuar? O judiciário vai continuar legislando, função que não é dele, ao interpretar leis conforme a conveniência?

As respostas virão nos próximos acontecimentos envolvendo o foro privilegiado. Não há motivos para ser otimista.

Gáudio Bassoli
Mestre em Comunicação Social pela UFMG e Apoio Técnico do GrisLab



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