Análise | Poder e Política

Lobos e cordeiros na Câmara Municipal de BH: não é sobre a proteção às crianças e jovens

Diante de acontecimentos recentes envolvendo a bancada cristã instalada na Câmara Municipal de Belo Horizonte e exposições artísticas, observamos a emergência de discursos moralizantes. Porém, a autora defende que estes são apenas a ponta do iceberg de um cenário político calcado em interesses privados que passam longe da proteção às crianças e jovens.

Vereador da bancada cristã Jair de Gregorio e manifestantes. Foto: Jornal O Tempo.

Em outubro, Belo Horizonte se viu envolta em algumas polêmicas que ocorreram entre a Câmara Municipal e Secretaria Municipal de Educação, a saber: a portaria 16.717, que retira da Secretaria de Educação a competência de promover políticas públicas para a diversidade sexual e gênero, impactando na escolha de livros que compõe o kit de literatura a ser distribuído nas escolas. Viu-se também ataques à Secretária de Educação e a uma professora que levava alunos para participar de um festival de curtas metragens no Palácio das Artes durante a estadia da polêmica exposição de Pedro Moraleida, “Faça você mesmo sua Capela Sistina”. Tramita ainda na Câmara Municipal o projeto conhecido como “Escola sem Partido” que objetivaria proibir o professor, no exercício de suas funções, de se manifestar ante os alunos sobre preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias.

Neste contexto, a bancada Cristã, composta por 21 vereadores que dizem pertencer à Igreja Católica e outras igrejas das mais diversas denominações evangélicas, bradou que agia em defesa da família tal qual apresentada na Bíblia, em defesa da moral e dos bons costumes, em defesa da preservação da inocência de nossas crianças e da salvação de nossos jovens mundanos. Ao que parece, o discurso moralizante assume a pauta da Câmara Municipal, o parlamento se transforma em púlpito e as reuniões são abertas em nome de Deus e precedidas da leitura de um versículo bíblico.  

Os vereadores envolvidos nas polêmicas recentes declaram agir a partir de uma moral religiosa, mas, por trás, vemos que seguem ideais menos divinos e mais terrenos, que passam longe da proteção de crianças e adolescentes. Este discurso moralizante encobre práticas menos nobres ligadas aos interesses de determinados grupos religiosos. Tramita na Câmara Municipal um decreto que altera a Lei do Silêncio: na prática, igrejas e assemelhados poderão aumentar o volume dos microfones de seus cultos religiosos e estender o horário para além das vinte e duas horas. Mais recentemente, tramitou um decreto que aumentou o imposto sobre prestação de serviços (ISS), mas isentou templos religiosos da cobrança. Nesta legislatura a Câmara Municipal já entregou, em dez meses, cerca de quarenta honrarias (títulos de cidadania honorária e diploma de honra ao mérito), sendo vinte destinadas a instituições e autoridades religiosas (padres, pastores, bispos, igrejas, templos) e apenas seis destinados a professores e instituições particulares de ensino.

Belo Horizonte não está isolada do cenário nacional, no qual manifestações moralizantes semelhantes ocorreram em relação a exposições de arte em Porto Alegre, com o “Queer Museum”, e no Rio de Janeiro, com a performance “O bicho”. Ao que parece, o debate sobre estas questões vai além de posicionamentos no espectro político-ideológico, e deve estar presente nas próximas eleições. Muitos vereadores que compõem a banda cristã serão candidatos a vagas de deputados federais e estaduais (sondagens recentes revelam que cerca de 50% dos vereadores declararam que disputarão em 2018). O mar agitado da superfície dos nossos tempos hodiernos esconde planos bem maiores em seu interior e não é sobre a proteção de nossas crianças e adolescentes.

Simone Carvalho
Professora da Faculdade de Educação da UEMG e da rede pública municipal de Belo Horizonte



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