O drama do povo sírio começou há 4 anos. Foi quando teve início o levante da Primavera Árabe no país, que logo se transformou numa guerra civil. Nesse período, a população tem sido vítima do conflito, das perseguições impostas pelos terroristas do Estado Islâmico e também do preconceito nos países onde busca refúgio.
A Guerra Civil na Síria começou como mais um levante da Primavera Árabe, em 2011. Havia esperança de que, com a reação de parcela da população contrária a Bashar al-Assad, o ciclo de arbitrariedades do governo fosse interrompido. Mas os rebeldes, como foram chamados pela imprensa internacional os que se armaram para derrotar o regime, entraram numa batalha sem fim contra forças leais ao presidente.
De acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 220 mil pessoas já morreram nos mais de quatro anos de conflito. Cidades inteiras foram completamente destruídas e dos 23 milhões de habitantes do país, mais de 11 milhões foram expulsos de seus lares por causa dos combates.
Desde o ano passado, a situação que já era delicada – e com pouca cobertura da mídia, principalmente pelas barreiras impostas pelo regime de al-Assad – ganhou contornos ainda mais trágicos com as ações do grupo autodenominado Estado Islâmico (EI), que ocupou partes do território sírio e impôs uma rotina de perseguições, terror e morte às minorias étnico-religiosas da região.
Com o agravamento dos conflitos e das condições de vida na Síria e nos campos de refugiados em países vizinhos, passamos a acompanhar o êxodo de milhares de pessoas para o continente europeu. Mais de 700 mil imigrantes e refugiados (a maioria sírios) chegaram à Europa pelo Mediterrâneo apenas em 2015. E 3.210 morreram na travessia – extremamente perigosa – ou estão desaparecidos, segundo a Acnur (Agência da ONU para Refugiados).
No dia 02 de setembro, o menino Alan Kurdi, de 3 anos, encontrado morto em Bodrum, balneário turco, deu um nome, um rosto e uma idade às vítimas dessa fuga em massa de quem não vê outra opção senão deixar tudo para trás, arriscando a vida na travessia. A sua morte (já analisada aqui no GrisLab) tirou da invisibilidade o drama de um povo inteiro que, desesperadamente, tenta chegar a países que permitam sonhar com um novo começo. Mas abriu poucas portas.
As cenas que passaram a ser reportadas pela imprensa dos espaços fronteiriços no continente europeu são sempre dramáticas: pessoas disputando comida, brigando para entrar em vagões de trem, forçando cercas de arame farpado, entrando em conflito com policiais, caminhando centenas de quilômetros a pé. Elas são um retrato do desespero dos refugiados e dos muros que já foram erguidos. Não apenas os físicos.
Alguns governantes declararam, sem constrangimento, não querer grande número de muçulmanos em seus territórios. Outros alegam a preocupação com um possível colapso de suas já fragilizadas economias e o temor da entrada de integrantes do Estado Islâmico, infiltrados em meio aos refugiados. Situação que deve se agravar em decorrência dos ataques no dia 13 de novembro, assumidos pelo EI, que deixaram pelo menos 129 mortos em Paris. Mais fronteiras serão fechadas e muros de preconceito erguidos, embora o terror que apavora a Europa seja o mesmo que persegue e mata os sírios.
Como o governo francês deu início à retaliação militar contra os terroristas do EI, na Síria, mais pessoas deverão deixar o país. O desafio, que não é pequeno, está posto e exige solução urgente. Mas corre o risco de ser negligenciado, mais uma vez, pelas autoridades competentes e pela imprensa, por causa do trauma dos atentados e pelo preconceito contra as vítimas de uma Primavera que nunca chegou ao lado de lá do Mediterrâneo.
Carolina Cavalcanti
Mestre em Jornalismo Internacional (City University) e em Comunicação (UFPB)
Esta análise foi sugerida em reunião do Grislab.