Análise | Poder e Política

Acontecimento e (in) visibilidades

O SwissLeaks, a cobertura da mídia e o interesse público

A partir de teorias sobre o escândalo e o acontecimento, a análise pontua algumas questões reveladas pela gestão da visibilidade dos acontecimentos pelas próprias mídias – como no caso das contas secretas do HSBC – e a sua relação com o interesse público.

 

Tão logo veio a público, em 08 de fevereiro de 2015, o caso das contas secretas no HSBC da Suíça tornou-se um escândalo internacional, que tem sido acompanhado e investigado pelas instituições responsáveis e mídias informativas dos vários países implicados. Não é para menos. Afinal, envolve o vazamento de informações sobre contas sigilosas mantidas no HSBC por 106 mil clientes e 20 mil empresas de vários países. Inclusive, 8.687 brasileiros que aparecem na lista como donos de US$ 7 bilhões apenas no período de 2006 e 2007.

O Swissleaks, como foi batizado o esquema internacional de evasão fiscal, tem, portanto, todas as características que transformam uma ocorrência em acontecimento que escandaliza (Thompson, 2000). Envolve: 1) a transgressão a normas ou valores considerados importantes em uma dada sociedade, no caso, a sonegação de impostos; 2) a publicização da transgressão; 3) a reação de públicos que desaprovam a prática, o que tem acontecido nos países citados; e 4) consequências para instituições e indivíduos implicados (desde prejuízos materiais e simbólicos, perda de confiança e de credibilidade, até processos judiciais ou de aperfeiçoamento das normas).

No Brasil, porém, o caso HSBC não tem escandalizado a mesma mídia que, na cobertura diária da Operação Lava Jato, por exemplo, mostra-se tão escandalizada com os recortes de falas, ações e personagens que ela mesma seleciona para construir a sua narrativa sobre o esquema de lavagem e desvio de recursos envolvendo a Petrobrás, empreiteiras e políticos de vários partidos. O “panelaço” midiático sobre fragmentos da operação Lava Jato – que há um ano ocupa noticiários de rádio e TV, páginas de jornais e revistas, e portais de notícia -, contrasta com o silêncio e quase invisibilidade midiática a que é relegado o SwissLeaks.

É principalmente através de blogs e sites alternativos que o público tem podido se informar sobre o que há de interesse público no caso HSBC e compreender um forte motivo, entre outros, do silêncio midiático: donos, herdeiros e profissionais de peso das empresas de comunicação, como Globo, Band e Folha, aparecem na lista do SwissLeaks. A informação, revelada recente e discretamente pelo próprio jornal O Globo – na clássica estratégia de gerenciar e neutralizar o impacto e repercussão de uma revelação negativa – só ganhou repercussão também no âmbito dos meios alternativos de informação e mídias sociais. Mas, para amplas parcelas da população que continuam a se informar e a formar sua opinião apenas pelas mídias tradicionais (principalmente TV), é como se o SwissLeaks não existisse nem tivesse relação alguma com os interesses da população brasileira (sonegação de impostos etc).

Mas os acontecimentos têm mesmo um poder hermenêutico (Quéré, 2005) e um potencial tremendamente revelador. Até a invisibilidade, a qual muitos acontecimentos são relegados, é plena de sentidos e expõe muito do que se tenta ocultar sobre eles. O SwissLeaks é, desde já, um importante case sobre ética jornalística. Tanto zelo ético alegado para não publicizar nem pré-julgar os citados no caso HSBC não se repete com os implicados na Operação Lava Jato ou de outros escândalos recentes, evidenciando, muito mais, interesses privados se sobrepondo ao interesse público. É também um acontecimento emblemático da contradição estrutural que acompanha a história da prática do jornalismo em organizações privadas: um ramo de negócios (e lucros) que, ao mesmo tempo, busca se autolegitimar socialmente afirmando que o interesse público é o maior dos seus valores ético-morais.

A administração da visibilidade do SwissLeaks (ou outros escândalos) na (e pela) mídia é bem esclarecedora de muitas outras questões problemáticas – impossíveis de detalhar no limite deste espaço – mas que vão além do papel social da imprensa e alcançam a cultura política na qual ela está inserida e se (retro) alimenta. Uma cultura política na qual – a julgar por posturas evidenciadas em acontecimentos recentes – a hipocrisia parece comandar muitos discursos e práticas (sociais, midiáticas), mais ocupadas em cobrar moralidade e retidão de outros (principalmente dos políticos) do que assumir responsavelmente suas ações e um compromisso cotidiano com a construção do que é publico e coletivo.

Terezinha Silva
Professora colaboradora do Departamento de Comunicação Social da UFMG Pesquisadora do GRIS (Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociabilidade)

 

Referências:
THOMPSON, J. O escândalo político. Poder e visibilidade na era da mídia. Ed. Vozes, SP, 2000.
QUÉRÉ, L. Entre facto e sentido: a dualidade do acontecimento. In: Trajectos. Revista de Comunicação, Cultura e Educação, nº 6. Lisboa: ISCTE / Casa das Letras / Editorial Notícias, 2005, p. 59-75.



Comentários

  1. Gáudio Luiz Freddi Bassoli disse:

    Me chamou a atenção que os donos dos veículos tenham dado as mesmas respostas que os jornalistas costumam obter dos políticos quando há um escândalo de corrupção: “não comento”, “nego”, “não sei de nada”.
    Pois podem esperar de nós cada vez mais a mesma descrença que temos nos nossos representantes eleitos, porque a informação realmente está restrita, mas vai circular. “Não nos representam” serve tanto para os governantes quanto para as grandes mídias.
    http://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/2015/03/14/empresarios-de-midia-e-jornalistas-negam-irregularidades-ou-nao-comentam/#comentarios

    • Terezinha Silva disse:

      Concordo, Gáudio: responderam da mesma forma que costumam criticar quando recebem este tipo de resposta de atores políticos. É como se estivem desobrigados de dar uma explicação pública sobre ações suas que estão sendo questionadas.

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