Análise | Diário da Quarentena Poder e Política

Para além do ego ferido do chefe de Mandetta

Apesar da hesitação do presidente no momento, o destino de Mandetta, a médio prazo, é praticamente certo. Os holofotes lançados sobre a figura pública do ministro pela atuação na crise do coronavírus perturbam seu contrariado e incoerente chefe.

Foto: Andre Coelho / Getty Images

Bolsonaro queria ser mais ouvido pelo ministro da Saúde, acha que o poder subiu-lhe à cabeça. Queixa-se do que julga ser a celebrização de “alguém que era normal”. E reforça o “poder de sua caneta”: “para o bem do Brasil”, poderia demitir “os que estão se achando” em seu governo. Em uma mesma segunda-feira (06/04), ameaçou fazê-lo, mas voltou atrás.

Três dias antes, a pesquisa de opinião do Datafolha apontava 30% de aprovação da atuação do presidente e 76% do Ministério da Saúde. Noutra mais recente, do Instituto Paraná Pesquisas, 57,6% dos entrevistados responderam ter mais confiança nas informações de Mandetta, enquanto 37,5% disseram que confiam mais nas do presidente. Caso a demissão tivesse se consumado, Osmar Terra — que defende medidas opostas de enfrentamento à pandemia — estava entre os cotados.

Para Bolsonaro, ao atual ministro falta também “humildade”. Note-se que esse que julga também se gaba e exige reconhecimento como o “técnico de um time que está ganhando de goleada” do coronavírus… Preocupa-se mais com a hierarquia, com seu status e autoridade (além da economia) do que com o povo nesse momento.

Às alfinetadas públicas do presidente, Mandetta responde com esperta discrição. Diz que não pretende se demitir agora, apesar da vontade: “médico não abandona paciente”; mas reafirma a hierarquia e autoridade do “comandante do time”. O ministro se destaca ao fazer o “feijão com arroz”, rodeado de quem não o faz: segue as diretrizes da OMS, defende o isolamento social e se posiciona com cautela científica em relação ao que Bolsonaro andou divulgando como panaceia — a cloroquina. Age de maneira similar às lideranças de vários outros países cujas estratégias são bem sucedidas.

Ele está na mídia, nas redes sociais, na boca do povo. Até participou nas repercutidas lives de artistas dos últimos dias, trocando agradecimentos e elogios com Xand Avião, Jorge & Mateus e Marília Mendonça. A construção da imagem pública de Mandetta pode ainda dar o que falar, inclusive aqui no nosso GrisLab.

O fato é que sua popularidade faz refletir para além do ego ferido de seu chefe. Os governadores e até mesmo alguns conservadores tradicionais têm representado sensatez e coerência, opondo-se a Bolsonaro, mas afinal, quem é esse que emerge em nível nacional neste momento, com ascendente projeção? Será para muitos uma espécie de “novo Moro”? (Outro que, por sinal, também está na mira do presidente).

Ora, o Mandetta cuja imagem pública é agora atrelada à ciência e aos trabalhadores da saúde já votou contra o Programa Mais Médicos e a favor da PEC 241/55, que congelou os gastos com educação e sáude, quando deputado federal (DEM) pelo Mato Grosso do Sul. E foi investigado por suspeita de fraude em licitação quando secretário de Saúde do mesmo estado (mas a denúncia não chegou a ser apresentada pelo MP).

Por ora, que a pasta continue na linha de enfrentamento sensato à pandemia, de que tanto precisamos. Mas é preciso atentar para além do ego ferido de seu chefe. O destino político de Mandetta, a médio e longo prazo, já está sendo decidido.

Samuel Silveira, bolsista de Apoio Técnico do Gris e bacharel em Comunicação Social pela UFMG



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