Os atentados de Paris quebraram sequências em diversos planos, mudaram as formas de percepção da cidade-luz e acentuaram a própria forma de percepção de alteridades. É possível sentir seus efeitos diretos nos pequenos detalhes do cotidiano: andar na rua, pegar o metrô, tomar um café, ir ao teatro ou à universidade.
Em uma sexta-feira 13 não ficcional, 130 pessoas foram mortas em atentados terroristas em Paris, centenas ficaram feridas e outras milhões ficaram reféns do medo e das incertezas. Mais de um mês depois, os habitantes da França ainda enfrentam as implicações do chamado “estado de urgência” ou de “segurança(?)”, que deverá permanecer até fevereiro de 2016. Se a força de um acontecimento rompe com a normalidade e evidencia sentidos, afetando sujeitos e experiências (FRANÇA, 2012), os atentados de Paris quebraram sequências em diversos planos (político, social, econômico), mudaram as formas de percepção da cidade-luz e acentuaram a própria forma de lidar com alteridades, reverberam na mídia internacional constituindo-se como uma desorganização inesperada e estrategicamente planejada, concomitantemente.
A França foi pega de surpresa pelo Estado Islâmico e não é difícil questionar sobre o que aconteceria ao Stade de France se o presidente não estivesse lá naquela noite. Há um misto de insegurança (sobre qual será o próximo alvo e a vulnerabilidade) e incômodo constante pelo excesso de policiamento que contrasta na paisagem parisiense: é quase impossível dar uma volta no quarteirão e não ver um policial fortemente armado, não ter que ser revistado para entrar no supermercado, na livraria, na feirinha de rua, ou na universidade. Pegar o metrô pode significar não chegar a tempo à aula ou ao trabalho: todos os dias há linhas interrompidas por investigações de passageiros e objetos suspeitos (uma sacola com biscoitos esquecida no vagão pode ser um pacote suspeito). Não é por acaso que a quantidade de mandados e buscas aumentou astronomicamente no último mês, sobretudo nas regiões onde habitam imigrantes árabes.
Ainda podem ser encontrados rastros icônico-verbais em toda a França, representando o slogan “Je suis Paris” difundido após os atentados nas redes sociais, como a arte feita por Jean Julien, que ganhou autonomia enunciativa (MAINGUENEAU, 2015) e se propagou enquanto manifestação e ato performativo (já fala-se inclusive em uma “geração Bataclan”). A isso estão associados tanto movimentos de reocupação de espaços de lazer (esvaziados após os atentados) quanto discursos ligados à política do medo.
Essa atuação do EI às vésperas das eleições regionais francesas acabou impactando nas campanhas e em uma acirrada disputa da extrema direita (que teve sua taxa de votos duplicada), com seus ideais fascistas. A restrição aos imigrantes na Europa é algo que interessa à extrema direita e também ao EI. Se muitos imigrantes já não eram bem tratados (não há maus tratos às minorias somente no Brasil), a violência física e simbólica foi potencializada: uma família muçulmana pode ser facilmente perseguida por policiais na rua ou observada nos espaços públicos com receio.
As diversas interrogações apontam para a pouca abordagem de problemas como a intervenção (e financiamento) pela França em guerras civis no Oriente. Feridas começaram a ser tocadas, mas, como afirma Agamben, o grande problema da política do medo é sua tendência de afastamento da cidadania e da democracia (tão caras à França), de transformar uma resistência ou um patriotismo em nacionalismo. Se assim começou o nazismo, para onde poderá levar os franceses?
Referências:
FRANÇA, Vera. O acontecimento e a mídia. Galáxia: Revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica. ISSN 1982-2553, n. 24, 2012.
MAINGUENEAU, Dominique. Concepts et méthodes de l’analyse du discours. 2015.
Tamires Coêlho, de Paris
Doutoranda do PPGCOM-UFMG
Pesquisadora do Gris
Confira também:
(Re) enquadramentos dos atentados em Paris pelos jornais portugueses (Graziela Valadares Gomes de Mello Vianna e André Melo Mendes)
Esta análise faz parte do cronograma oficial de análises para o mês de dezembro, definido em reunião do Grislab.
[…] isso como imigrantes. Em momentos de incerteza e de reclusão como este — semelhante àqueles dos atentados —, o Brasil parece ainda mais longe. O telefone e o computador nunca desligam, e por eles […]
Belo artigo, Tamires! Certíssima quando fala nas vítimas do medo, muitas de certeza. Espalhadas não só por Paris, mas Europa e mundo. Seguro ninguém está em lado algum. Assim como os parisisenses e todos que foram vítimas de atos bárbaros. Precisamos seguir com a vida. E que o bem prevaleça entre nós.