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Sanfona na live de Bolsonaro “do bem”: mortos atrapalham o presidente

Desde o início da pandemia, o presidente debocha da gravidade da crise.  Seu “E daí?” expressa a completa falta de respeito aos mortos pela Covid-19. No exercício do seu egoísmo militante, deixa claro que os mortos são um estorvo para o seu projeto político. A cena da sanfona, emblemática, foi uma simulação de respeito à dor do Outro.

Foto: reprodução / Catraca Livre

Desde o início da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro debochou da crise, ignorando a dor de familiares e amigos dos brasileiros mortos vítimas da Covid-19. “E daí?” foi a frase simbólica do descaso com os mortos. Bolsonaro parece acreditar que essas mortes não lhe dizem respeito. Com sincero e corajoso cinismo lavou as mãos, fugindo da responsabilidade de liderar governadores e prefeitos no enfrentamento da tragédia nacional.

É preciso conhecer o contexto. No momento, Bolsonaro assumiu um novo papel político, o de presidente conciliador. Essa atuação, coincidentemente, começou a partir da prisão do seu ex-amigo do peito, Fabrício Queiroz, acusado de ser o operador financeiro do filho Flávio Bolsonaro e acusado de envolvimento com a milícia carioca.

Bolsonaro, egoísta militante, que só pensa em si e nos filhos, que estimula o radicalismo entre  seus seguidores, agora é o Jair “do bem”. O papel causa uma natural estranheza em um ator que em 30 anos foi conhecido pelo papel de político de direita radical. No seu velho papel, Bolsonaro ganhou fama, sempre buscando a melhor performance de ódio e interpretando falas de declarações apaixonadas à tortura e à ditadura. Agora, no papel do Jair “do bem”,  as mortes dos outros importam, sensibilizam e tocam seu coração.

Na sua tradicional lives das quintas à noite, o presidente da República, homem “do bem”, fez, recentemente, uma tragicômica homenagem aos mortos pela pandemia. Convocou o presidente da Embratur, Gilson Machado,  para tocar “Ave Maria”, na versão sanfona, em homenagem às vítimas da Covid-19.

Mas entre a intenção e o gesto, a lógica de Bolsonaro, do desprezo pelos mortos e lamento pelo vírus que veio só para prejudicar o seu governo, continua bem viva. Antes da Ave Maria na sanfona, o presidente lembrou que o vírus e os mortos atrapalharam o seu governo, lamentando o sofrimento da economia:

“Estava voando o turismo, crescendo 10%, veio esse vírus aí e botou o turismo lá embaixo, foi um dos setores que mais sofreu”, disse o presidente.

 Uma homenagem tocante e ligeira.

O presidente da Embratur, então, executou a peça musical, “assassinando” a Ave Maria com sua sanfona desafinada, e o presidente Bolsonaro deu por encerrada a homenagem, passando para outros assuntos no varejo da sua live.

Duas considerações finais:

  • Não há saída: em algum momento no mundo dos vivos, o presidente terá que prestar contas aos mortos e das mortes. Prestar conta da sua omissão, do escárnio e da colaboração para dividir e confundir o país sobre as corretas orientações de saúde pública a serem seguidas.
  • O papel que assumiu de Bolsonaro “do bem” é de um ator canastrão e com prazo para acabar a temporada do inusitado espetáculo. O contexto político é de colocar panos quentes, tentando pacificar as relações institucionais com o Congresso e STF. O Bolsonaro “do mal” não está morto, foi apenas “congelado”. Vai voltar mais vivo do que nunca, tão logo as condições sejam favoráveis à performance do radicalismo, estímulo ao ódio, ao deboche e à divisão social.

Pedro Pinto de Oliveira, doutor em Comunicação pela UFMG, pesquisador associado da UFMT e jornalista colaborador do pnbonline.com.br



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