Eu sou um homem do meu tempo! Eu nunca vesti um figurino de um político tradicional, nunca deixei de ter as minhas relações pessoais, eu nunca deixei de ser alguém de bem com a vida, eu tenho uma família extraordinária (…) Não conseguem dizer que sou desonesto efetivamente, não conseguem dizer que sou incompetente (…) o que me move hoje é algo tão maior, é buscar reestabelecer a ética no país (Aécio Neves, candidato à presidência da República, 02/06/2014 – Programa Roda Viva/TV Cultura).
Deflagrada em março de 2014, a Operação Lava Jato tem sido presença constante no noticiário brasileiro. Desde seu início, o instrumento da Delação Premiada se tornou uma das estratégias centrais da operação para o desvendamento de supostos crimes e para a produção de “provas”, constantemente vazadas para a imprensa. Na semana passada, no entanto, vieram a público diálogos gravados do empresário Wesley Batista, dono da JBS, com Michel Temer e Aécio Neves por meio da Operação Patmos. A notícia caiu como uma bomba no país, principalmente pela concretude das provas apresentadas, pelo envolvimento direto do presidente da República, e pelo nível de influência do empresário que, nos vídeos de seu depoimento aos investigadores, informa ter pago propina a nada menos que 1829 políticos eleitos, de 29 partidos. O presidente, além de receber no Palácio do Jaburu uma pessoa investigada pela prática de crimes graves envolvendo agentes do Estado, aparece avalizando a compra de silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha. Já Aécio teve exposta uma conversa na qual, dentre outras coisas, solicita ao empresário 2 milhões de reais. No dia seguinte à revelação dos áudios, a Polícia Federal cumpriu vários mandados de prisão, inclusive contra a irmã de Aécio, Andréa Neves, e contra seu primo, Frederico Pacheco.
Desde então, não se fala em outra coisa. O canal Globo News passou boa parte do dia 18 exibindo os vídeos da delação de Wesley e do Diretor da JBS, Ricardo Saud. No dia 19, os principais jornais do país publicaram editoriais sobre o assunto, com diferentes orientações. A Folha evitando o conflito com o Governo; o OESP, em nome da responsabilidade de se manter as reformas e a política econômica atual, saindo em defesa de Temer; e O Globo, em dissonância com os veículos paulistas, falando em sua renúncia.
Contando com a atuação firme de sua irmã, Andréa, Aécio passou praticamente incólume durante seus 30 anos de vida pública. As parcas denúncias que chegaram a circular no Estado nunca receberam atenção dos veículos nacionais. No entanto, com as revelações da última semana, o senador viu-se em seu pior momento, não restando outra saída que não fosse negar o cometimento de crimes e se posicionar como vítima ingênua de “uma armação” feita por um “criminoso sem escrúpulos”.
É escandaloso perceber que a delação de um único homem tenha provocado tamanho abalo nas instituições da República. Causa espanto e indignação que escândalos dessa magnitude tenham permanecido silenciados por tanto tempo, ainda que, como no caso de Aécio, as denúncias recentemente publicadas não tenham surpreendido muitos de seus críticos (principalmente, jornalistas mineiros).
Os últimos acontecimentos colocam em xeque as instituições da República. Todas elas, de alguma forma implicadas (por omissão ou envolvimento de seus agentes) num perverso e mafioso esquema de corrupção. E não se trata apenas de demonizar a política e seus agentes: onde estiveram os órgãos de fiscalização? Em que medida um sistema de justiça moroso e ineficaz contribuiu para essa situação? O que foi feito do tão propalado jornalismo imparcial e independente que os grandes grupos de comunicação dizem exercitar? Foram todos “pegos de surpresa”? Todo poder emana do povo ou dos irmãos Batista?
A crise que se aprofunda, por um lado, pode ser o anúncio de tempos melhores em que as mulheres e homens públicos deste país desempenhem seus papéis com dignidade e responsabilidade. Mas não há dúvidas de que ela indica a profunda falta de escrúpulos e de ética de uma elite política e econômica brasileira, infiltrada, como uma máfia, nas estruturas do Estado. Wesley Batista goza da boa vida nos Estados Unidos como prêmio pelos crimes confessados, numa perfeita alusão à Vale Tudo. O povo vai às ruas pedir a renúncia do presidente e eleições diretas e é “premiado”com a convocação das Forças Armadas, uma cena que não deveria ser reprisada nesse país. Agora que o cerco está se fechando, fica cada um com o déjà vu que merece.
Frances Vaz
Mestre em Comunicação Social pelo PPGCOM-UFMG