Alexandre Kalil foi reeleito prefeito de Belo Horizonte no primeiro turno. Façanha já era esperada diante dos índices de aprovação do primeiro mandato. Uma breve análise mostra que ele conseguiu promover um governo sem sustos, mesmo diante da pior chuva que BH já viu e da pandemia da Covid-19. Kalil conseguiu agradar a direita, a esquerda e ainda se afastou dos bolsonaristas, por causa da condução da crise sanitária na cidade. Ele foi antes de tudo um político, título que tenta se desvencilhar a todo custo.
Alexandre Kalil (PSD) foi reeleito prefeito de Belo Horizonte com 63,36% dos votos válidos no primeiro turno. Poucos duvidavam dessa façanha. Afinal, os índices de satisfação do seu governo permaneceram altos durante todo o mandato. A grande pergunta é: por quê? Hora de voltar no tempo.
Na campanha de 2016, ele adotou um discurso fácil e com grande aderência na época: “Chega de político. É hora de Kalil”, dizia o slogan. Ao contrário do ocorrido em 2020, nas eleições passadas muitos duvidavam de que o ex-mandatário atleticano, sem papas na língua, e sem qualquer experiência em cargo público, pudesse assumir a administração municipal.
Com discurso forte, com socos na mesa, e elevando um tom mais populista (“vou governar para quem mais precisa”), Kalil cresceu. Durante as entrevistas que concedia atacava os representantes da política mais tradicional como Aécio Neves, na época presidente do partido tucano. Ao fim do pleito, sagrou-se vencedor derrotando João Leite (PSDB).
O jeitão de poucos amigos sugeria que o mandato de Kalil seria um festival de polêmicas, broncas e até palavrões. Esperavam o caos. Mas foi diferente. Ele se recolheu. Elevou o tom apenas quando era demandado.
Neste ano, Kalil, talvez seguro diante dos resultados das pesquisas, optou por uma campanha bem discreta. Não saiu às ruas. “Não posso pregar uma coisa aqui e fazer outra por causa de voto. E duvido que algum candidato vai para rua aglomerar gente. Porque se for vai perder voto”, disse o prefeito sobre o risco de contágio. Kalil também não compareceu a nenhum debate.
Quis o destino que fosse ele o prefeito de BH em um dos anos mais conturbados da história da cidade. Em janeiro de 2020, BH virou terra arrasada por causa dos temporais mais intensos de seus 122 anos. Kalil assumiu a responsabilidade pelas mortes e prejuízos e se prontificou a reparar os danos a ruas e avenidas. Na época, alfinetou os empresários, uma vez que a chuva castigou bairros nobres. “Eu quero deixar uma coisa muito clara: esse Plano Diretor, que foi tão massacrado por esses empresários gananciosos dessa cidade, está aí a resposta para eles. Eles não queriam um Plano Diretor que cuidasse do meio ambiente. A resposta chegou na casa deles, no bairro chique e luxuoso de Belo Horizonte”.
Se isso não bastasse, veio a pandemia. Nadando contra a maré bolsonarista, BH foi uma das primeiras capitais a decretar o fechamento de grande parte da cidade. Ancorado em dados científicos, o prefeito jogou duro contra o discurso que minimizava a gravidade do vírus. Até onde pôde manteve a cidade apenas com os serviços essenciais funcionando. A atitude provocou protestos da ala bolsonarista. Assim, Kalil conseguiu agradar até a ala mais à esquerda da política.
Eficiente ou não, o fato é que ele assumiu as rédeas da cidade quando ela mais precisou. Em períodos em que figuras públicas assumiram posturas questionáveis, com desfile de falas preconceituosas, terraplanistas e avessas à ciência, Kalil assumiu uma voz racional. Conseguiu a proeza de agradar a direita e a esquerda. Sua vitória maiúscula o credencia, inclusive, para pleitear a cadeira de governador em 2022. Gostando ou não, Alexandre Kalil venceu – e com folga – porque assumiu a postura de um político. Virou o que sempre temia.
Rafael Campos, jornalista e mestre em Análise do Discurso pela Faculdade de Letras (Fale/UFMG)