Os ecos da eleição de 2014 e as dificuldades de normalizar um acontecimento
A entrevista de Dilma no Programa do Jô, que foi ao ar na madrugada do último dia 12 de junho, repercutiu na mídia brasileira e fez irromper sentidos que, analisados no contexto atual, dizem muito de um acontecimento recente que ainda não se encerrou.
Na madrugada do dia 12 de junho deste ano, foi ao ar a entrevista que Jô Soares fez com a presidente Dilma Rousseff. Na biblioteca do Palácio da Alvorada, residência oficial dos presidentes brasileiros, os dois conversaram sobre as decisões políticas internas e externas do país e o momento de instabilidade econômica e política que repercute diariamente nas mídias tradicionais.
Tendo em vista esse panorama atual do país e as condições em que a entrevista foi feita, sua condução e transmissão são muito sintomáticas. Dilma, que tem poupado sua imagem e evitado aparecer em propagandas e pronunciamentos oficiais do governo, dada a enorme repercussão negativa e os “panelaços” – já analisados aqui -, teve a oportunidade de falar sobre si e também sobre inflação, educação, saúde e infraestrutura do país. Mas só para aqueles que quiseram ouvir, afinal a conversa foi ao ar às 00h50 e terminou às 02h da manhã de sábado, em pleno dia dos namorados. Jô, ao mesmo tempo em que disse estar realizando seu desejo de entrevistar a presidente e abrir espaço para explicações sobre as decisões tomadas por ela nos primeiros meses de seu segundo mandato, se preocupou em defender sua imagem e negar que seja “petista ferrenho”, como foi acusado pela audiência de outro quadro do seu talk-show.
A entrevista repercutiu em vários portais de notícias no dia seguinte e, de tudo o que foi dito por Dilma e Jô, as falas mais resgatadas pelos veículos foram a “confissão” da presidente de que ela se chateia com as críticas feitas à sua pessoa – cuja aprovação, segundo a última pesquisa do Ibope é de 9% – e a suposta tomada de posição política do entrevistador por fazer uma edição especial do programa com a presidente e revelar seu apreço por ela. Assim, nos dias que se seguiram, Jô voltou a afirmar, em uma entrevista concedida à Folha, que não é petista, e, dias depois, a rua onde ele mora foi pichada com os dizeres “Jô Soares, morra.”.
A reverberação do acontecimento tenta enquadrar, ainda, as performances de Dilma e Jô de modo a contrariar as expectativas de um público que, neste momento, se coloca como insatisfeito com o governo atual. No noticiário, Jô Soares sofreu retaliações e críticas por ter feito uma entrevista ‘amena’, sem atacar a presidente ou fazer perguntas que a deixassem desconcertada e colocassem o “dedo na ferida” de sua gestão, o que nos leva ao já velho questionamento da (im)possibilidade da existência de um jornalismo imparcial. E Dilma, ainda que tenha tentado aderir ao clima informal das entrevistas feitas por Jô e contado histórias sobre o período em que passou em presídios durante a ditadura militar, teve sua performance repetidamente comparada àquela dos debates eleitorais de 2014, em que deveria apresentar justificativas, resultados e previsões políticas e econômicas tanto de seu mandato anterior como do atual.
Assim, esses sentidos, quando pensados dentro do clima de insatisfação, questionamentos e intolerância que tem se percebido no Brasil, dizem mais de um acontecimento anterior à entrevista do que de um novo cenário. Eles são mais um indicador de que, para um segmento da população e da mídia brasileira, a eleição presidencial de 2014 ainda não terminou. É um acontecimento cujas consequências – a reeleição de Dilma e do projeto que ela representa – ainda não foram normalizadas por essa parcela da sociedade, que segue resistindo a ele com atos de ódio, repressão e violência.
Mayra Bernardes
Graduanda em Comunicação Social-UFMG
Bolsista de Iniciação Científica do Grislab