O texto fala sobre o evento em que a ministra Kátia Abreu jogou uma taça de vinho em José Serra. Apesar de o fato não configurar um acontecimento, ele não passou batido. Não é todo dia que figuras conhecidas na política nacional protagonizam cenas dignas das colunas de fofoca e se oferecem ao escárnio dos cidadãos comuns – pequeno divertimento em meio às tensões e dificuldades do cenário político atual.
Num jantar na casa do senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), no dia 9/12 último, reunindo políticos de diferentes matizes, a ministra Kátia Abreu jogou uma taça de vinho na cara do ex-ministro e presidenciável José Serra. Ele teria dito: “Kátia, dizem por aí que você é muito namoradeira”.
Além do vinho, a ministra teria também lançado uma série de impropérios: “você é um homem deselegante, descortês, arrogante. Nunca chegará à Presidência da República”.
Evidentemente, esta ocorrência não constitui um acontecimento. Tem antes a natureza de um fait divers, um fato curioso que atrai interesse, desses que aparecem também em colunas sociais – um babado na festa. Ou um barraco.
Dessa festa, outros comentários circularam: o vice-presidente Temer posando “com ares de presidente”, conversando com Collor sobre como este viveu seu próprio processo de afastamento; o senador Aécio Neves que saiu levando docinhos em um guardanapo para sua esposa.
Amenidades, fofocas, que apenas adquirem algum relevo por terem sido protagonizados por pessoas do alto escalão da corte política, e num momento de alta tensão (pedido de impeachment da presidente, processo contra Eduardo Cunha, carta de Temer). Em razão disto, o fato (o vinho na cara do Serra) fervilhou em colunas e comentários nas redes sociais.
O que podemos extrair dele? Não é somente o machismo e arrogância de Serra, a reação vigorosa de Kátia Abreu (em outros momentos chamada de “rainha do gado”, “rainha da motosserra”), a empáfia de Temer, os maus modos de Aécio – comportamentos já conhecidos. Novidades, o evento não trouxe. Nem abriu novos horizontes de sentido.
No entanto, provocou interesse e muitas risadas. O mal feito alheio sempre provoca riso; se são pessoas visadas, mais ainda – a ironia é um riso derrisório, que contrapõe lado a lado quadros conflitantes. No caso, um político da oposição ao governo, que está fomentando e, digamos, assistindo de camarote ao desdobramento do impeachment da presidente (portanto, numa posição confortável de torcer pela queda do outro) literalmente levando na cara. Não deixa de ser uma compensação.
Mas o quadro (a festa) também revela o aspecto patético desse grupo sem coesão, que aspira à direção do país e se mostra, nos bastidores, tão canhestro.
Na mitologia grega, o Olimpo era povoado de deuses não apenas de diferentes grandezas, mas capazes de comportamentos muito pouco louváveis. Em contraste com o paraíso cristão (composto de anjos e santos irreprocháveis), os deuses gregos aprontavam. Disso os humanos se aproveitavam, tirando vantagem das rixas e deslizes dos deuses.
Na atual situação do Brasil, em que estamos nos sentindo tão impotentes para intervir no caos que foi instalado pela corte brasiliana e que nos deixa, a todos, reféns, é bom poder rir dos pretensos deuses. Embora não tenham qualquer porção de divindade (como era o caso das entidades do Olimpo), os políticos de Brasília por vezes agem (e se sentem) onipotentes. Ver cair algumas máscaras, mesmo que em situações periféricas e de pequeno alcance, traz algum gozo. É o gozo do fraco, sem dúvida; mas que lugar ocupamos hoje, cidadãos comuns, senão este de assistir ao jogo da corte? Convenhamos, o quadro atual não tem permitido nenhuma alegria. Poder rir de alguma coisa – mesmo que seja de um “babado na corte” – atenua a espera por algum lance que aponte mudanças e superação deste impasse, e que mostre alguma grandeza por parte das pessoas que estão na direção deste país, seja no governo ou na oposição.
Vera França
Professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG
Coordenadora do Grispop
Confira outras análises do “Dossiê Planalto Central”:
“Mulher: multidão*”: mulheres contra Cunha (Ana Karina Oliveira)
O último achaque de Cunha (?) (Gáudio Bassoli)
A(s) carta(s) de Temer (Suzana Lopes Cunha)
Esta análise compõe o “Dossiê Planalto Central” e faz parte do cronograma oficial de análises para o mês de dezembro, definido em reunião do Grislab.