A crise política também afetou o universo das celebridades e, consequentemente, a relação delas com o público dividido. Na análise, observamos desdobramentos dos recentes acontecimentos políticos do país, evolvendo pessoas famosas que se posicionaram em lados opostos. O intuito é chamar a atenção para a forma como os discursos pessoais são atravessados pela mediação de uma emissora, e como a instrumentalização das celebridades pode afirmar interesses e lógicas próprias da mídia.
Depois das manifestações que marcaram o início do processo de impeachment, o clima de polarização e adversidade também esquentou os holofotes que iluminam o mundo das celebridades. Atores, músicos, apresentadores e diversos famosos vieram a público se posicionar sobre o pedido de afastamento da presidente Dilma Rousseff.
A presença de celebridades no contexto político brasileiro não é novidade. Ao longo da nossa história, podemos destacar vários momentos em que artistas se envolveram no debate de questões políticas e levantaram diferentes bandeiras, como por exemplo durante a ditadura militar e a campanha pelas “Diretas Já”, quando cantores se tornaram símbolos da resistência ao regime. Durante a campanha do plebiscito sobre o desarmamento (2005) e em diversas campanhas políticas, como por exemplo a famosa campanha “Lula lá” (1989), quando dezenas de artistas cantaram o jingle. Todos esses são exemplos emblemáticos dessa capacidade de afetação das celebridades.
Como personagens públicos da cena midiatizada, as celebridades, além de revelarem valores e posicionamentos presentes no nosso dia a dia, também começaram a sofrer os abusos dos discursos de ódio gerados pelo desacordo de opiniões políticas. Em especial aqueles que foram enquadrados no “time de artistas petistas” como, por exemplo, Monica Iozzi e Letícia Sabatella, muito hostilizadas depois de defenderem a permanência de Dilma, através, principalmente, das redes sociais.
As falas das celebridades que se colocaram contra o afastamento convocaram o respeito à democracia, à constituição, e a ilegalidade do processo em curso, enquanto as falas que apoiavam o afastamento levantavam a questão da corrupção, da crise econômica do país e de possíveis crimes cometidos pela presidente. Ambos os posicionamentos se mostram muito semelhantes ao que se ouviu nas ruas e nas manifestações pró e contra impeachment.
Mas a defesa de posições parece ter extrapolado a internet tanto do ponto de vista do público, que passa a ofender presencialmente os artistas, quanto das celebridades. Ary Fontoura, por exemplo, artista consagrado da TV, aproveitou a homenagem recebida no quadro Arquivo Confidencial, no programa do Faustão, para mandar um recado ao vivo à Presidenta: “golpe, quem deu, foi a senhora”. Foi aplaudido e também muito criticado nas redes sociais por seu depoimento partidário.
Menos de duas semanas depois, quem ocupava o palco do Domingão era José de Abreu, mais precisamente para explicar a discussão ocorrida entre ele e um casal de anônimos, envolvendo dedo e cuspe na cara por iniciativa do ator. José de Abreu argumentou que ele e a esposa foram ofendidos enquanto jantavam, em um momento íntimo, por causa de suas opiniões políticas (ele é contra o impeachment). Disse que a cusparada foi uma reação impensada, já que foi chamado de ladrão, corrupto e outros nomes bem piores por causa do seu posicionamento. E ainda foi questionado pelo apresentador se estava embriagado na ocasião. Ele negou, reafirmou suas convicções e finalizou declarando que a Globo não censura seus artistas e nem “interfere na vida pessoal de seus contratados”.
O que nos chama atenção é o quanto essas celebridades conseguem mobilizar os olhares das pessoas e encarnar posicionamentos que circulam em torno de questões debatidas no cotidiano. As falas dessas pessoas célebres em momentos de embates na sociedade, quando as opiniões se dividem ou quando há uma causa a ser defendida ganham um contorno que extrapola o simples posicionamento sobre determinadas questões e afetam os discursos e a opinião das pessoas comuns. A simpatia e a identificação do público com essa ou aquela celebridade interferem nas escolhas por esse ou aquele posicionamento. Não estamos, com isso, sugerindo uma ideia de manipulação e nem considerando que essa influência é simples e direta. Apenas estamos chamando atenção para o poder de afetação dessas celebridades em nosso contexto social.
A influência das celebridades também indica algumas lógicas da mídia, que atuam como pano de fundo nesse contexto. As situações com os artistas estampam o clima de transtorno e também reiteram a confusão entre os universos público e privado que é sugestionada pela atuação da mídia. Considerar o atravessamento da mediação da Globo implica em questionar o impacto do posicionamento da emissora no depoimento pessoal de seus contratados.
Essa mediação tem parecido tão evidente que, recentemente, o site de entretenimento da Folha decidiu colocar o assunto em pauta através de uma publicação que perguntava se seria justo as emissoras pedirem aos artistas para “pegar leve quando o assunto é política”. O texto conclui que “a polarização atual é exaustiva” e que, por isso, é “justo, sim, que as emissoras peçam a seus contratados para maneirarem”. Afinal, são empresas que “precisam manter um certo equilíbrio” com o público. Ao que tudo indica, parece que o atravessamento das instituições midiáticas, não só na Globo, tem falado cada vez mais alto.
Fernanda Medeiros
Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social-UFMG
Maíra Lobato
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social-UFMG
Pesquisadoras do Gris
Esta análise faz parte do Dossiê “Política no Brasil”, previsto em cronograma oficial de análises para o mês de maio, definido em reunião do GrisLab.
Confira as demais análises do Dossiê:
– A herança maldita de Cunha (Gáudio Bassoli)