A morte de Teori Zavascki, em 19 de janeiro de 2016, afetou a sociedade brasileira e trouxe inquietações em relação ao contexto político atual. Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Teori era relator da Operação Lava Jato e estava prestes a homologar delações premiadas de executivos da construtora Odebrecht, que colocam sub suspeita de corrupção muitos políticos – incluindo o presidente Michel Temer e vários de seus ministros. Teori morreu aos 68 anos em um acidente aéreo próximo a Paraty (RJ), quando também faleceram outras quatro pessoas (o piloto Osmar Rodrigues, o empresário Carlos Alberto Fernandes Filgueiras, a massoterapeuta Maira Lidiane Panas Helatczuk e a mãe dela, Maria Ilda Panas). Sem a pretensão de esgotar as nuances desse acontecimento, gostaríamos de refletir sobre dois eixos dessa morte: o seu poder de afetação e o campo de possíveis aberto por ela.
O poder de afetação de um acontecimento diz do modo como ele se insere em nossas vidas, rompendo com a normalidade e exigindo nossa compreensão. A morte de uma figura pública – assim como a de um anônimo – traz consigo o trágico impacto do fim da vida e dos medos da mortalidade.
Por outro lado, a morte de uma figura pública também ganha outros sentidos quando se constitui como um acontecimento que apresenta impactos no cenário político. Nesse contexto, é fundamental considerar a função desse personagem na narrativa pública. As tensões no modo de nomear a morte de Teori – considerada por uns como acidente ou por outros como sabotagem – já nos revela que, nas reverberações do acontecimento pela sociedade e pela mídia, há muitos outros sentidos do mundo político em jogo, para além dos sentimentos que surgem em nós ao tomarmos conhecimento de uma morte.
A partir dessa emergência, “teorias da conspiração” [1] foram aventadas na tentativa de explicar a queda do avião. O sentido talvez mais inevitável que fazemos desse acontecimento, em sua dimensão política, é o da sabotagem do avião do ministro para impedir que ele, como relator da Lava Jato, homologasse as delações premiadas citadas acima. O temor e as confirmações de que houve ameaças contra Teori, segundo relato de seu filho [2], alimentam a potencial veracidade dessas explicações. Sejam as conspirações verdadeiras ou não, só nos resta esperar que o inquérito sobre a queda do avião dê alguma resposta para as dúvidas da família e da sociedade.
Outras questões também foram suscitadas pela mídia e pelo público: o que estaria fazendo a jovem massoterapeuta Maria Lidiane no mesmo avião que o ministro do STF? Boatos de que a estudante trabalhava como garota de programa se espalharam nas discussões online [3]. As únicas informações fatídicas que temos, por sua vez, são de que ela possuía um relacionamento profissional e pessoal com o empresário hoteleiro Carlos Alberto Fernandes, que havia a convidado para um fim de semana em Paraty [4]. A mato-grossense, então, ofereceu a viagem à mãe como um presente de aniversário [5]. Os rumores acerca da presença da jovem no avião relevam um difícil debate moral na sociedade brasileira, guiado, em grande parte, por posicionamentos sexistas contra certas profissões e relações. Esses boatos, por invadirem a privacidade das vítimas, acabam interrompendo o momento público de luto e desrespeitando o sofrimento de parentes e amigos das vítimas.
Em vez das especulações e julgamentos morais acerca da vida privada de sujeitos comuns, é mais adequado voltamos para o acontecimento em sua dimensão política – o falecimento de uma figura pública envolvida em uma das maiores investigações políticas da década. As questões acerca da morte do ministro do STF apontam para o campo de possíveis aberto por esse acontecimento. Quem assumiria a relatoria da Lava Jato? Como a operação Lava Jato se desdobraria a partir disso? Quem ocuparia o lugar do ministro no STF? As respostas vêm sendo dadas nos últimos dias: a presidenta do Supremo, Cármen Lúcia, homologou as 77 delações da Odebrecht, sinalizando a continuidade das investigações, antes mesmo que o ministro Edson Fachin fosse designado por sorteio como o novo relator da Lava Jato. E, em meio a inúmeras polêmicas, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, foi indicado por Temer para assumir a vaga que era de Teori no STF. A indicação e seus desdobramentos devem ser tema de outra análise desse laboratório, mas exibem como o acontecimento aqui discutido continua (e continuará) acontecendo na cena pública.
Paula Simões, professora do PPGOCOM UFMG e pesquisadora do GRIS UFMG
Afonso Sepulveda, mestrando do PPGCOM UFMG
[1] http://www.cartacapital.com.br/politica/morte-de-teori-zavascki-inspira-teorias-da-conspiracao
[3] http://www.bbc.com/portuguese/brasil-38696644