Análise | Poder e Política

A greve geral e o jogo de sombras no jornalismo brasileiro

Nesta análise, apontamos as contradições percebidas na cobertura da Greve Geral do dia 28 de abril, apontando aspectos evidenciados e ignorados nas matérias de veículos nacionais e estrangeiros. Verifica-se, em geral, o alinhamento editorial dos veículos brasileiros nos destaques das consequências negativas do movimento, em contraposição a uma abordagem mais equilibrada de veículos estrangeiros que ofereceram quadros interpretativos nos quais os objetivos políticos do movimento vieram à tona. Nesse aspecto, retomam um antigo problema a ser resolvido no país que se refere à regulamentação dos meios de comunicação e dos processos de produção de informação.
Foto: Reuters Brasil

Foto: Reuters Brasil

arte longa vida breve
escravo se não escreve
escreve só não descreve
grita grifa grafa grava
uma única palavra.

G R E V E

A. CAMPOS – 1962

No dia 28 de abril, foi realizada uma das maiores greves gerais do país neste último período republicano. Muitos relatos indicaram uma forte adesão à suspensão de atividades como forma de protesto e denúncia dos projetos de reforma previdenciária e trabalhista anunciados pelo Governo Federal. Sindicatos chegaram a mensurar que 40 milhões de pessoas teriam aderido ao movimento. Com forte rejeição popular e sem ter passado pelo crivo das urnas, o presidente Michel Temer, sob a égide da austeridade fiscal, tem adotado uma agenda de governo que visa a implementar uma série de medidas que, na prática, representam severas restrições aos direitos sociais da população. Isso sem falar das denúncias de corrupção envolvendo o primeiro escalão do Governo e o próprio presidente.

Ainda que a mobilização tenha ganhado amplitude nacional, não foi possível perceber seu peso político nas edições de jornais impressos e televisivos dos dias 27 e 28 de abril. A edição do Jornal Nacional da Rede Globo, por exemplo, na noite de quinta-feira pré-greve, não arriscou menção às expectativas para o dia seguinte. Em matéria do portal Rede Brasil Atual, essa omissão do JN de 27/04 é notada, bem como a justificativa para ela elaborada pelo apresentador do Bom dia RJ, Flávio Fachel, em sua conta pessoal no Twitter: O que é notícia? É o que acontece. Se acontecer, a notícia é amanhã. Em sua defesa, por meio de um clipe metalinguístico, o JN mostrou como o jornalismo da Rede Globo cobriu o dia 28. A escolha discursiva fica evidente: Globo começou de madrugada cobertura das manifestações: às 4h12, já eram divulgadas as primeiras informações. Jornais locais e o Jornal Hoje mostraram a manhã de protestos.

Justiça seja feita ao JN da noite do dia 28: de acordo com análise do Coletivo Intervozes, dos 50 minutos totais de programa, o primeiro bloco do jornal, de 20 minutos, foi dedicado à greve geral e o termo foi usado pelos apresentadores, depois de evitado em outros programas.

Essa ambiguidade observada nas edições do telejornal, contudo, parece fazer parte de um insidioso jogo de luz e sombra que ronda a atividade jornalística: escolhe-se quais aspectos de um fenômeno devem ser mais iluminados, em detrimento de outros, e as controvérsias, muitas vezes, ficam pulverizadas.

Atualmente, a possibilidade de acesso via web a outras fontes de informação, como mídias alternativas e veículos internacionais, tem produzido um cenário de contestação das versões apresentadas, sobretudo no ambiente das redes sociais. Vale citar, por exemplo, as críticas feitas pelos tradicionais The Economist (Inglaterra), The New York Times (EUA) e The Guardian (Inglaterra) à Rede Globo, que ganharam ampla repercussão na rede, tendo em vista abordarem a influência da emissora carioca junto ao poder político central e seu papel central na conformação do impedimento da presidenta Dilma Rousseff, em 2016. Este último enfoque ensejou, inclusive, uma carta de resposta de João Roberto Marinho, vice-presidente do Grupo Globo.

A percepção de um tratamento mais equilibrado – ou, ao menos, mais abrangente – de veículos de comunicação estrangeiros sobre o processo de impeachment e sobre o Governo Temer também se confirmou no noticiário internacional sobre a greve geral. A imprensa internacional deu destaque aos objetivos da greve, forjando enquadramentos distintos dos observados na imprensa nacional: a reação da população às medidas de austeridade (The Guardian e The New York Times), a primeira greve geral em duas décadas (BBC e Le Figaro), e greve geral contra as reformas de Temer (RFI – France).

No dia 30/04, a Ombudsman da Folha de São Paulo, Paula Cesarino Costa, provoca: “Na sexta-feira [28], o bom jornalismo aderiu à greve geral. Não compareceu para trabalhar”. Se compararmos as manchetes de veículos internacionais ao enquadramento central de parte da grande mídia brasileira, é possível notar um esvaziamento das motivações e consequências políticas práticas que a greve geral poderia gerar.

As possibilidades abertas pelo acontecimento do dia 28, seus desdobramentos e as disputas discursivas em torno das reformas previdenciária e trabalhista não estavam estampadas nas chamadas e manchetes de jornais do dia. Nesse cenário em que a vida política e os direitos sociais dos brasileiros e brasileiras parecem ameaçados pela greve do ‘bom jornalismo’, a democratização dos meios de comunicação e do processo de produção de informação se coloca como um dos mais urgentes impasses democráticos a ser por nós enfrentado.

Frances Vaz
Mestre em Comunicação pelo PPGCOM-UFMG

Priscila Dionízio
Mestre em Comunicação pelo PPGCOM-UFMG



Comente

Nome
E-Mail
Comentário