Análise | Poder e Política

Existe um lugar para se discutir política? Uma cientista política acontecendo no BBB 2018

A cientista política Mara Telles provocou alvoroço na “casa mais vigiada do país” e entre seus pares acadêmicos. Para além de seu personagem, sua performance como pesquisadora no mundo do entretenimento gerou várias discussões sobre os lugares e os sujeitos das discussões políticas no país, em um contexto de grande efervescência das esquerdas nas ruas. Temas como violência contra a mulher, machismo e democracia tornam-se pautas das conversas no Big Brother Brasil.

Imagem: Reprodução Globo.

 

A cientista política Mara Telles, do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, provocou alvoroço na “casa mais vigiada do país” e entre seus pares acadêmicos. Mara recebeu uma série de críticas pela suposta incoerência de ser uma pesquisadora e ativista política e acatar as regras do reality show da emissora mais repudiada pela esquerda. A imagem de um professor universitário não é socialmente associada a esse tipo de exposição a que ela estava se submetendo. Sem contar com a grande controvérsia causada pelo fato de ser funcionária pública e estar participando do programa sem seu afastamento ter sido formalmente autorizado pela Universidade. Entre os acadêmicos, Mara conquistou fãs e inimizades.

Para o grande público, já no seu teaser de apresentação publicado antes do início do programa, Mara anunciava o perfil de Sister que seria: “Sou capaz de ser cientista política, mas também sou capaz de me divertir” e “Sou de áries. Áries não são pessoas que chegam lá e ficam quietinhas na piscina”.

Na casa, ela (e a edição da Globo) configurou o personagem caricato de pessoa mais velha, cheia de opiniões, sem papas na língua, com gênio forte. O típico personagem que “quem gosta, gosta, quem não gosta, não gosta mesmo”. Logo Mara foi vista como um inconveniente para alguns participantes, e mais ainda para a emissora, já que não perdia a oportunidade de conversar com os Brothers e Sisters sobre temas como violência contra a mulher e machismo. No seu perfil pessoal no Facebook eram publicados posts com comentários sobre acontecimentos da política que não podia acompanhar por estar na casa, como o julgamento do Presidente Lula, ocorrido no dia 24 de janeiro.

Obviamente, as edições do programa que era exibido em rede nacional não mostraram esses aspectos, apenas a imagem de uma Mara de personalidade forte, provocadora e encrenqueira, sem contar com a diferença de idade em relação à maioria dos participantes, que fez a diferença na posição em que foi colocada e assumiu na casa. O resultado foi sua breve eliminação após apenas uma semana de confinamento. Tampouco o público a aprovara.

Para além, contudo, da performance de Mara, podemos perceber uma problemática mais de fundo que esse acontecimento deu a ver a partir das discussões que circularam. Mais do que uma questão personalizada na pesquisadora, o que se evidenciou em muitos comentários, principalmente de acadêmicos, foi o estranhamento pela possibilidade de se levantar discussões sobre política em um programa claramente voltado para o entretenimento e que tem como público principal as classes populares.

Cabe, então, nos questionarmos: teria a política um lugar próprio para ser discutida? Ou um público seleto habilitado para participar do debate? Mara declaradamente tinha como objetivo mostrar que a resposta a essas perguntas é não. Entrou no BBB pelas vias comuns da seleção do Programa, usou a linguagem de entretenimento proposta pela emissora, criou seu personagem como qualquer outro participante. Mas, igualmente, usou as brechas (sempre existentes) para levantar temas políticos e ainda bradar um “Fora Temer” ao vivo na noite de sua eliminação. Acima de tudo, sua participação no reality colocou em xeque tanto um quadro social que posiciona o pesquisador enclausurado na universidade, acima de tudo e de todos, quanto um enquadramento de programas populares como inúteis para o debate público. Será que esquecemos que o surpreender é uma forte arma política?

Suzana Lopes
Doutoranda do PPGCOM-UFMG



Comente

Nome
E-Mail
Comentário