O Brasil é um país que sempre teve sua política marcada pela negociação e pela acomodação. No entanto, com a chegada do prazo final para o registro das candidaturas das eleições deste ano, as chapas marcaram com clareza seus lugares na cena política brasileira.
15 de agosto: este era o prazo final para o registro das candidaturas das eleições de 2018, determinado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em função da data, os candidatos à presidência anunciaram suas/seus vices e alianças na semana anterior, compondo um cenário político bastante demarcado.
No campo da direita, Jair Bolsonaro (PSL) reforçou seu viés militarista-conservador, ao anunciar o general da reserva Hamilton Mourão como seu vice. Assim como o presidenciável, o general defende propostas extremistas da direita, como a intervenção militar, além de fazer elogios ao coronel Ustra, acusado de tortura pela Comissão da Verdade¹. Já Geraldo Alckmin (PSDB) reafirmou sua posição de centro-direita ao anunciar a senadora gaúcha Ana Amélia (PPS) como sua vice, o que firmou seu compromisso com a agenda neoliberal e ruralista.
Temos ainda a candidatura de Marina Silva, situada bem ao centro do espectro político, mas que recebe um forte reforço ideológico em direção à causa ambiental ao chamar Eduardo Jorge para ser seu companheiro de chapa.
No campo da esquerda, os anúncios dos vices marcaram maiores mudanças para as candidaturas, a exceção de Guilherme Boulos e Sonia Bone Guajajara, que anunciaram sua co-candidatura juntos pelo PSOL. Ciro Gomes (PDT), que até então figurava como a opção pragmática da esquerda, trouxe para sua chapa ninguém menos que Kátia Abreu, a dama do agronegócio. Tendendo um pouco mais para o centro, Ciro escolheu uma companheira de chapa que, assim como ele, defendeu Dilma Rousseff durante o processo do impeachment, mas que estabelece diálogos com setores mais conservadores da sociedade brasileira, os quais ele teria dificuldade de conquistar. A escolha de Ciro foi um tanto inesperada, mas nada que se compare ao anúncio feito pelo PT. Prevendo a impugnação da candidatura de Lula pela lei da Ficha Limpa, o Partido dos Trabalhadores anunciou uma chapa tripla, apelidada jocosamente na internet de “chapa triplex”. Com Lula preso e impossibilitado de atender às atividades de sua campanha, o cargo de vice e de porta-voz do candidato foi preenchido por Fernando Haddad (PT), enquanto Manuela D’Ávila (PCdoB) entraria como uma aliada e futura vice, no caso de impugnação. Isso significou uma guinada à esquerda para a candidatura petista, demarcando bem suas diferenças políticas em relação aos outros candidatos.
No contexto do presidencialismo de coalizão e de uma cultura política de acomodação, as candidaturas deste ano surpreenderam por serem marcadamente ideológicas, como há muito não se via na história do país.
Essa sequência de acontecimentos deu a ver uma divisão de públicos bem delineada, assim como evidenciou algumas mudanças na composição dos eleitorados dos candidatos, tanto à direita quanto à esquerda. Bolsonaro, por exemplo, perdeu uma parcela de seus eleitores menos extremistas para os candidatos de centro, enquanto Ciro Gomes perdeu o posto do voto útil anticonservador para Lula. Com o registro da chapa tripla, muitos eleitores indecisos, ainda relutantes em votar em Lula, se sentiram mais inclinados a darem seu voto para o petista por considerarem que ele teria “aprendido com os erros”, deixando para trás seu passado de alianças espúrias com o PMDB e assumindo-se novamente como um candidato genuinamente de esquerda.
Esse cenário atípico nos dá a esperança de uma política mais competitiva e menos opaca, que não se dilui em acordos e tem como direcionamento projetos políticos precisos e nítidos. Sem toma lá, dá cá, nem pra lá nem pra cá.
Maria Lúcia de Almeida Afonso
Mestranda em Comunicação Social na UFMG e Pesquisadora do Gris