Análise | Poder e Política

Segundo turno: sentimentos e emoções negativas levaram a melhor

Nesta análise, busca-se fazer uma leitura dos aspectos e sentidos abertos e evidenciados pelo resultado do segundo turno das eleições presidenciais, observando o tratamento das temáticas mais acionadas por Bolsonaro, que venceu o pleito.

Fonte: BBC News Brasil

O resultado do segundo turno da eleição presidencial não foi uma grande surpresa; Jair Bolsonaro  (PSL) sai do primeiro turno na dianteira, sobe ainda mais na primeira semana. Nas duas semanas seguintes, e particularmente na última, as tendências começam a se inverter: Bolsonaro cai um pouco, a preferência por  Fernando Haddad (PT) aumenta alguns pontos, mas não o suficiente para alterar a tendência dominante. Especulava-se que se a data do pleito fosse um pouco adiante, a disputa poderia ser mais acirrada. No entanto, a interpretação dos dados das pesquisas dos últimos dias indica que os indecisos, do sábado para o domingo, e mesmo ao longo do domingo, migraram tanto para Bolsonaro como para os candidatos a governos estaduais alinhados de seu lado (especificamente nos casos do Rio e Belo Horizonte).

Não cabe aqui uma análise política das causas, tampouco um prognóstico do futuro do novo governo. Na linha que orienta nosso trabalho no Grislab, nossa leitura procura identificar aspectos e sentidos abertos e evidenciados por este acontecimento.

A primeiro deles é a extensão da parcela da população que, hoje, se alinha ideologicamente no campo da direita e extrema-direita (vale registrar que nem todos que votaram em Bolsonaro apoiam integralmente aquilo que ele significa).

Apesar dos muitos problemas que nos assolam – desemprego, saúde e educação deficitárias, entre outros – alguns temas ganharam preponderância: segurança; corrupção / antipetismo; medo do comunismo.

O tema da segurança e do combate (extermínio) dos bandidos foi absolutamente central. Ele tem uma base real – as redes de traficantes que dominam as comunidades; a guerra entre eles e com a polícia, que coloca todos em risco. No entanto foi bastante insuflado particularmente pelo telejornalismo policial e por alguns apresentadores emblemáticos, que fizeram carreira denunciando a violência urbana e propondo, como solução, o combate aos bandidos (conforme o bordão “bandido bom é bandido morto”).

O tema da corrupção foi alimentado ao máximo, mostrado como o responsável por todos os demais problemas (carências no âmbito das políticas públicas) e associado ao PT – que teria “inventado” uma rede corrupta atravessando todas as instituições, e que teria “quebrado” a Petrobrás. Este sentimento antipetista foi criado e cultivado desde o início do primeiro governo Lula, particularmente a partir do escândalo do Mensalão (2005 e seguintes), e recrudesceu nos últimos anos, com a Lava Jato (2014).

Em sintonia com o antipetismo, o fantasma do anticomunismo (bandeira levantada pela guerra fria nos anos 1950-1960) foi miraculosamente ressuscitado, embora desprovido de qualquer fundamento concreto. A associação imediata foi com a Venezuela (facilitada pelo fato de que somos parcamente informados do que se passa realmente naquele país), alimentando um imaginário povoado por entidades como URSAL, Foro de São Paulo, desprovidas de qualquer realidade.

Na construção desses sentimentos temos que falar do papel central desempenhado pela mídia. A mídia de massa, particularmente a televisiva, veio, ao longo dos anos, criando um estado de opinião e uma predisposição tanto para o antipetismo como para a preponderância do tema da (in)segurança. Entram aqui a revista Veja, os telejornais (Jornal Nacional), incluindo os telejornais policiais e programas de auditório, dando cobertura a proferimentos violentos e ajudando a reforçar um imaginário de crise e de culpados.

Mas cabe falar particularmente da nova dinâmica comunicacional, através das redes sociais. O Facebook e WhatsApp foram as ferramentas básicas que, na proximidade das eleições, se mostraram decisivas pelo uso massivo de mensagens sobretudo na campanha de Bolsonaro. Mecanismos sofisticados possibilitam hoje não apenas o disparo instantâneo de milhões de mensagens individuais, mas mensagens adequadas ao perfil e preferência dos destinatários. Num cenário de insatisfação e desinformação, essa ferramenta se mostrou vitoriosa na disseminação não exatamente da proposta do candidato, mas de fake news que criaram associações muito negativas em torno da imagem do candidato do PT, Haddad (o kit gay é o exemplo mais conhecido, embora não o único, dos conteúdos dessas mensagens). Somadas aos sentimentos e temores já inculcados na população, e ao quadro geral de crise, desemprego, carências, elas foram decisivas não apenas na formação de estados de opinião, mas também de estados emocionais – sendo que as emoções negativas, como o medo e o ódio, tomaram a dianteira.

O custo dessas ferramentas é muito alto; esse uso intenso que marcou a campanha de Bolsonaro indica um alto financiamento. Mais uma vez, o capital se mostrou ator decisivo nas lutas políticas.

Embora a campanha de Fernando Haddad tenha sido marcada por grandes manifestações de rua, com a participação voluntária de milhares de ativistas, marcadas por música, cores e alegria, não foi a esperança nem a perspectiva da felicidade que levaram a melhor nesta eleição.

Vera França

Coordenadora do GrisLab e Professora Titular do PPGCOM-UFMG



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