Não foi falta de aviso: em poucos dias de existência a gestão Jair Bolsonaro já coleciona uma série de equívocos, acompanhados por alguns absurdos, que confirmam muitas das críticas apontadas no período eleitoral.
Em menos de duas semanas em exercício, Bolsonaro recuou em algumas decisões depois de anunciá-las, expôs divergências entre os setores estratégicos e motivou sucessivas explicações de autoridades, que coincidiram em novos deslizes. Durante os primeiros dias de gestão, o processo de escolha dos ministros pode ser apontado como a primeira desilusão para aqueles que acreditaram nas promessas de campanha e nas correntes de WhatsApp.
Primeiro porque, antes de ser eleito, Bolsonaro disse que teria 15 ministérios, mas acabou fechando em 22 o número de pastas governamentais, e anunciou pelo Twitter – já que pouco fala com a imprensa – quem seriam seus companheiros de gestão. Em segundo lugar, mas não menos importante, para um presidente que chegou ao poder erguendo a bandeira contra a corrupção e o crime, é (no mínimo) contraditório que nove, entre os 22 escolhidos, sejam investigados pela justiça ou até mesmo réus em ações judiciais. É o caso de Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e Paulo Guedes (Economia), dois dos principais nomes do novo governo, acusados por gestão fraudulenta; além de Ricardo Salles, o Ministro do Meio Ambiente, alvo de uma ação movida pelo Ministério Público de São Paulo sob a suspeita de ter favorecido uma mineradora e que, dias antes do rompimento da barragem de Brumadinho, declarou que pretendia simplificar o licenciamento ambiental a partir deste ano. A terceira incongruência é que Sérgio Moro, nomeado Ministro da Justiça e Segurança Pública, chegou apresentando um pacotão de leis anticrime com o objetivo de endurecer o combate à corrupção, mas nada indica que haja qualquer preocupação com os réus que dividem com ele mesmo a gestão deste país.
Como se não bastasse tudo isso, também foram nomeados cinco militares e até um astronauta. No entanto, apenas duas mulheres: Teresa Cristina, Ministra da Agricultura, investigada por suposto favorecimento à JBS quando era secretária do agronegócio no Mato Grosso do Sul; e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), acusada de ter sequestrado uma criança indígena do Xingu há mais de 10 anos. Suas decisões políticas têm causado muita polêmica, porque são orientadas por uma determinada visão da religião evangélica, que Damares, pastora, considera como “a certa”. O desempenho dela, até agora, seria patético, se não fosse trágico (veja um exemplo aqui); mas não é surpresa para quem sempre foi contra as propostas do “Mito”.
Surpreendente mesmo foi descobrir que a família de Bolsonaro, possivelmente, está envolvida com os chefes da milícia do Rio de Janeiro. E que o “escândalo Flávio”, como já está conhecido, liga o filho do presidente a um dos apontados como suspeito do assassinato de Marielle Franco. Ao que tudo indica, a inovação do governo Bolsonaro parece ser acoplar a criminalidade à corrupção de forma escancarada e literalmente armada.
A opressão chega na forma de impunidade aos suspeitos e cala a resistência. Foi o que aconteceu com o dep. Jean Wyllys que, ameaçado, decidiu não assumir o terceiro mandato e se mudar do país. Em outros tempos, isso tinha outro nome: exílio. Enquanto o vice-presidente comentou que a ameaça ao parlamentar é um crime contra a democracia, Bolsonaro usou o Twitter para comemorar a decisão do deputado, assim como fez seu filho na mesma rede social. Dessa vez, a situação seria infeliz, se não fosse suspeita de crime.
Mas parece que na “nova” era do Brasil, não há regras para quem dita as regras. Lamentavelmente, estamos só no começo e nada parece tão ruim que não possa piorar.
Ninguém solta a mão de ninguém.
Fernanda Medeiros
Doutoranda em Comunicação Social pela UFMG
Maíra Lobato
Mestra em Comunicação Social pela UFMG