Análise | Poder e Política

O acontecimento Lula e a exposição da dor do outro

Os últimos acontecimentos em torno da figura do ex-presidente Lula, as mortes do irmão Genival Inácio da Silva e do neto Arthur Araújo Lula da Silva, levaram a vida privada e expuseram a dor da perda de um ente querido na mídia.

Foto: EPA/BBC

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ocupa os espaços midiáticos há muitos anos. Vários acontecimentos fazem de Lula uma figura pública que sempre esteve nos holofotes: as greves no ABC paulista, a criação do Partido dos Trabalhadores (PT), a prisão pelo governo militar em 1981, as candidaturas à presidência, as eleições ao maior cargo do país, seus governos e sua prisão. De modo geral, podemos dizer que a vida pública e privada de Lula permanece como sendo de interesse público e do público.

Nos últimos meses, alguns acontecimentos relacionados à vida pessoal do ex-presidente foram expostos midiaticamente e causaram discussões, principalmente nas redes sociais online. No mês de janeiro, a morte de Genival Inácio da Silva (Vavá), irmão de Lula, fez com que os advogados de defesa do ex-presidente, que está preso na sede da Polícia Federal em Curitiba/PR, pedissem à Justiça Federal a sua liberação para assistir o enterro que ocorreria em São Bernardo do Campo. O pedido de “soltura” de Lula, para o enterro de Vavá, estava embasado no artigo 120 da Lei de Execução Penal que prevê que presos em regime fechado, semiaberto ou provisório podem solicitar a saída, desde que haja escolta, no caso de falecimento de algum parente próximo. A solicitação da defesa do ex-presidente foi negada com o argumento que não havia tempo hábil para a Polícia Federal organizar a escolta.

No início do mês de março, outra morte na família de Lula colocou  o ex-presidente na pauta principal dos noticiários. Arthur Araújo Lula da Silva, de 7 anos, neto de Lula, faleceu repentinamente em Santo André, em decorrência de uma meningite meningocócica. Com perda de mais um familiar, a defesa de Lula mais uma vez solicitou a justiça a sua liberação para participar do velório. Nesse caso, a justiça seguiu a lei, e autorizou a ida com escolta do ex-presidente a São Bernardo do Campo para se despedir do neto.

Em todo esse cenário das duas tragédias na família de Lula, chamou a atenção, em um primeiro plano, a decisão judicial contra o pedido do ex-presidente para ir ao velório do irmão, desrespeitando a legislação (e apontandomais uma vez o caráter político da prisão e o medo que a soltura do ex-presidente, mesmo escoltado, causa em seus adversários).

Com as reações causadas nos mais variados públicos em torno da figura pública de Lula – os que se sensibilizaram com o momento difícil da perda de um familiar, os que se posicionaram a favor da não liberação para a ida aos velórios, ou mesmo os que expuseram estar contentes com a morte de outra pessoa apenas para ver o sofrimento de um adversário político -, percebemos como os sujeitos reagem e se posicionam sobre a dor do outro. A princípio, a morte de um irmão e de um neto ainda criança era para sensibilizar, fazer como que houvesse solidariedade e respeito com o direito do ser humano, qualquer que seja ele, de se despedir com tranquilidade, sem questionamento sobre os possíveis efeitos políticos da sua ida ao encontro dos seus familiares em um momento de extrema dor. Os acontecimentos revelaram que nem esse limite é respeitado.

Lívia Barroso
Doutora em Comunicação pela UFMG e professora da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA)
Membro do Gris




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