Há mais de um ano na prisão, Lula, sua defesa e seus simpatizantes (no Brasil e no mundo) continuam proclamando sua inocência e lutando por sua libertação. Em entrevista recente, o ex-presidente demonstra sua firmeza: acima de sua liberdade, sua dignidade.
A prisão de Lula em 7 de abril de 2018 foi um acontecimento que continua acontecendo. Em 7 de abril último, seu encarceramento completou um ano; houve manifestações em algumas capitais do Brasil e, em Curitiba, reuniram-se manifestantes vindos de vários pontos do país, engrossando o protesto e a solidariedade prestada pelo Acampamento Lula Livre.
Ali, diariamente, homens e mulheres entoam o “Bom Dia, Presidente Lula” e o “Boa Noite, Presidente Lula”. Não são milhares de pessoas, e as manifestações que vêm se dando regularmente em inúmeros lugares não são massivas. Porém, não arrefecem e indicam a persistência e inclusive o recrudescimento dos movimentos pela libertação do ex-presidente.
Também a visita de personalidades do mundo político, religioso e acadêmico a Lula – do Brasil e outros países, como o sociólogo italiano Domenico de Masi, no dia 25 de abril (1) – não cessam de acontecer, indicando que ele não se encontra esquecido. Nos EUA, a Associação Americana de Juristas, na sequência de outras manifestações semelhantes, publicou no dia 2 de maio uma nota oficial na qual reconhece Luiz Inácio Lula da Silva como preso político (2).
No início de maio, a condenação de Lula (ainda pelo tríplex de Guarujá) foi a julgamento pela terceira instância, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ). A sentença de nove anos e seis meses de prisão proferida por Moro na primeira instância, e aumentada para 12 anos e um mês pelo Tribunal Regional Federal da 4o Região (TRF-4), em segunda instância, foi reduzida para oito anos, dez meses e vinte dias pelo STJ no dia 23 de abril passado (3). Essa redução não altera muito do ponto de vista daquilo que pleiteiam o ex-presidente, sua defesa e seus simpatizantes, que é o reconhecimento de sua inocência. Mas do ponto de vista jurídico, e considerando que 1/6 da pena já teria sido cumprido, abre o direito de requerer a progressão para o regime semiaberto (4) – o que significa a possibilidade de Lula retornar ao convívio social, poder se encontrar com pessoas e poder falar. Isto se outros obstáculos não forem levantados (considerando o tempo recorde em que aconteceu o julgamento em segunda instância do caso do tríplex, aguarda-se agora o encaminhamento do processo do sítio de Atibaia, que acarretou a Lula uma nova condenação em primeira instância. Esse processo será também acelerado e será de novo um jogo de cartas marcadas, de forma a somar uma outra condenação e impedir a saída do ex-presidente a curto prazo?!)
Lula Livre tanto é a bandeira de milhões de brasileiros e brasileiras, como o pesadelo de outros tantos. Incomoda sobretudo o poder de sua fala e o sentimento de resistência que ela desperta. Tanto assim que a autorização de entrevista solicitada por dois jornalistas (Florestan Fernandes Júnior, de El País, e Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo) em outubro de 2018, nas vésperas das eleições presidenciais, apenas agora foi concedida. A entrevista aconteceu no dia 26 de abril, e a fala de Lula (5), publicada pela FSP e por El País, repercutiu nas redes sociais e em jornais no mundo todo. Mas não ganhou espaço no Jornal Nacional, nem em nenhuma TV aberta brasileira. Da mesma forma que uma segunda entrevista, no dia 3 de maio, desta vez concedida ao jornalista Kennedy Alencar, da Rede TV, foi autocensurada pela emissora que a havia solicitado e não foi ao ar (6).
Afinal, por que tanta expectativa e por que tanto temor da fala de Lula? Na verdade, ele não falou nada de novo, nada que não se soubesse. O surpreendente, o potente na fala de Lula é sua clareza, sua firmeza, sua postura. Uma postura de estadista, ao traçar um quadro de Brasil – do Brasil grande que já foi, do Brasil que se afunda no marasmo. A firmeza de um democrata, ao proclamar e se colocar num terreno de diálogo e de respeito. A clareza de uma personalidade que rechaça o ódio e não transige em sua luta pela justiça. Sofrendo do isolamento, passando por duras perdas pessoais e assistindo – impotente – às dificuldades que atingem seus familiares, Lula aparece sobretudo como um forte. E é sua força que irradia coragem e incita em muitos a esperança e a luta.
O acontecimento da prisão de Lula continua acontecendo enquanto ele estiver preso – e depois. Se acontecimento é o que suspende a normalidade e delineia outros horizontes possíveis; se acontecimento é o que desperta significados distintos e faz falar, entendemos que – no final das contas – Lula é o acontecimento.
Vera França
Coordenadora do GrisLab e Professora Titular do PPGCOM-UFMG