As falas de Jair Bolsonaro afetam distintamente diferentes públicos não apenas por seu teor polêmico, mas porque geralmente seus posicionamentos são ofensivos e até criminosos.
Muito antes de assumir o cargo de presidente, Jair Bolsonaro já exibia um comportamento impulsivo e hostil, evidenciado principalmente a partir de suas falas. Um dos casos mais conhecidos foi uma discussão em 2003 com a deputada Maria do Rosário, na qual o então deputado ofendeu a deputada, criticando sua aparência e dizendo que não a estupraria porque ela não merecia. Bolsonaro também já foi processado — e inocentado — por declarações racistas, como quando comparou publicamente, em um evento, negros de populações quilombolas a animais.
O desrespeito não se restringe a
minorias, grupos ou setores marginalizados: estende-se até à
própria história do país. Em diversas ocasiões, Bolsonaro fez
elogios à ditadura militar brasileira e homenageou figuras como o
torturador coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, a quem se referiu
recentemente, quando já era presidente, como “herói nacional”.
Em julho de 2019, ao criticar a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
em entrevista, ele também atacou o presidente da entidade, Felipe
Santa Cruz, dizendo: “‘Se o presidente da OAB quiser saber como
o pai desapareceu no período militar, eu conto para ele” e que
ele não iria querer saber “a verdade”. No início de setembro,
após a alta-comissária da ONU e ex-presidente do Chile Michelle
Bachelet criticar a violência policial no Brasil, Bolsonaro atacou-a
referindo-se também a seu pai, assassinado pela ditadura militar
chilena em 1974. Ele disse que o Chile “só não é uma Cuba
graças aos que tiveram a coragem de dar um basta à esquerda em
1973, entre esses comunistas o seu pai brigadeiro à época”,
elogiando o regime do ditador Augusto Pinochet e justificando a morte
do pai de Bachelet.
Assumir uma postura que está longe
de ser adequada para um chefe de Estado traz prejuízos diversos ao
Brasil, inclusive afetando a imagem e credibilidade do país e as
relações internacionais com outros países. A situação
diplomática com a França, por exemplo, está sendo reduzida a
xingamentos e deboches infantis, chegando ao ponto de Bolsonaro
insultar nas redes sociais a aparência da esposa do presidente
francês Emmanuel Macron, após críticas deste ao governo brasileiro
devido às queimadas que aconteciam na Amazônia. Abraham
Weintraub, Ministro da Educação, e o deputado Eduardo Bolsonaro,
filho do presidente e indicado ao cargo de embaixador nos EUA, também
lançaram xingamentos a Macron nas redes. A ofensa machista à esposa
foi reforçada pelo Ministro da Fazenda, Paulo Guedes, e pelo
embaixador de turismo internacional, Renzo Gracie, que ainda gravou
um vídeo ameaçando Macron e negando as queimadas na Amazônia —
tal qual o presidente, que culpou ONGs pelos incêndios, mesmo sem
provas, e acusou o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)
de mentir em dados sobre o aumento do desmatamento na Amazônia em
seu governo.
O cenário ambiental do país durante o governo Bolsonaro e a maneira como o presidente vem se posicionando a respeito tem desencadeado uma crise internacional, abordada em texto do Grislab, — na qual o governo brasileiro tem recebido não somente críticas de países como a França e a Alemanha, mas também ameaças de boicotes.
Além do conteúdo evidenciando posicionamentos moralmente reprováveis e mesmo práticas passíveis de serem enquadradas como crimes, as falas de Bolsonaro têm servido para lançar “cortinas de fumaça”. Desviam a atenção sobre questões realmente importantes e que exigiriam sólido debate, como é o caso do desmatamento da Amazônia. Desviam também a atenção sobre projetos que vêm sendo aprovados desde o início do governo à revelia de uma discussão pública efetiva e transparente com a sociedade, como a reforma da Previdência e os cortes no financiamento da educação.
De um modo ou de outro, os absurdos ditos por Jair Bolsonaro representam um risco para o país por acarretarem consequências práticas, além de fazer reverberar e dar legitimidade a mentiras e discursos de ódio. E tão grave quanto as falas e posicionamentos expressos por Bolsonaro é o silêncio de instituições a quem caberia o papel de impor limites e questioná-lo por tais posturas, como é o caso do Judiciário e da própria imprensa, cuja omissão colabora para normalizar e fazer proliferar tais discursos e suas consequências para o país.
Maria Helena de Pinho, estudante de Graduação em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina, bolsista de Iniciação Científica/CNPq.
Terezinha Silva, professora do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).