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Incontinência verbal de Bolsonaro – sem limites e com muitas consequências

As falas de Jair Bolsonaro afetam distintamente diferentes públicos não apenas por seu teor polêmico, mas porque geralmente seus posicionamentos são ofensivos e até criminosos.

Foto: Adriano Machado/Reuters

Muito antes de assumir o cargo de presidente, Jair Bolsonaro já exibia um comportamento impulsivo e hostil, evidenciado principalmente a partir de suas falas. Um dos casos mais conhecidos foi uma discussão em 2003 com a deputada Maria do Rosário, na qual o então deputado ofendeu a deputada, criticando sua aparência e dizendo que não a estupraria porque ela não merecia. Bolsonaro também já foi processado — e inocentado — por declarações racistas, como quando comparou publicamente, em um evento, negros de populações quilombolas a animais.


O desrespeito não se restringe a minorias, grupos ou setores marginalizados: estende-se até à própria história do país. Em diversas ocasiões, Bolsonaro fez elogios à ditadura militar brasileira e homenageou figuras como o torturador coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, a quem se referiu recentemente, quando já era presidente, como “herói nacional”. Em julho de 2019, ao criticar a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em entrevista, ele também atacou o presidente da entidade, Felipe Santa Cruz, dizendo: “‘Se o presidente da OAB quiser saber como o pai desapareceu no período militar, eu conto para ele” e que ele não iria querer saber “a verdade”. No início de setembro, após a alta-comissária da ONU e ex-presidente do Chile Michelle Bachelet criticar a violência policial no Brasil, Bolsonaro atacou-a referindo-se também a seu pai, assassinado pela ditadura militar chilena em 1974. Ele disse que o Chile “só não é uma Cuba graças aos que tiveram a coragem de dar um basta à esquerda em 1973, entre esses comunistas o seu pai brigadeiro à época”, elogiando o regime do ditador Augusto Pinochet e justificando a morte do pai de Bachelet.


Assumir uma postura que está longe de ser adequada para um chefe de Estado traz prejuízos diversos ao Brasil, inclusive afetando a imagem e credibilidade do país e as relações internacionais com outros países. A situação diplomática com a França, por exemplo, está sendo reduzida a xingamentos e deboches infantis, chegando ao ponto de Bolsonaro insultar nas redes sociais a aparência da esposa do presidente francês Emmanuel Macron, após críticas deste ao governo brasileiro devido às queimadas que aconteciam na Amazônia. Abraham Weintraub, Ministro da Educação, e o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente e indicado ao cargo de embaixador nos EUA, também lançaram xingamentos a Macron nas redes. A ofensa machista à esposa foi reforçada pelo Ministro da Fazenda, Paulo Guedes, e pelo embaixador de turismo internacional, Renzo Gracie, que ainda gravou um vídeo ameaçando Macron e negando as queimadas na Amazônia — tal qual o presidente, que culpou ONGs pelos incêndios, mesmo sem provas, e acusou o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) de mentir em dados sobre o aumento do desmatamento na Amazônia em seu governo.

O cenário ambiental do país durante o governo Bolsonaro e a maneira como o presidente vem se posicionando a respeito tem desencadeado uma crise internacional, abordada em texto do Grislab, — na qual o governo brasileiro tem recebido não somente críticas de países como a França e a Alemanha, mas também ameaças de boicotes.

Além do conteúdo evidenciando posicionamentos moralmente reprováveis e mesmo práticas passíveis de serem enquadradas como crimes, as falas de Bolsonaro têm servido para lançar “cortinas de fumaça”. Desviam a atenção sobre questões realmente importantes e que exigiriam sólido debate, como é o caso do desmatamento da Amazônia. Desviam também a atenção sobre projetos que vêm sendo aprovados desde o início do governo à revelia de uma discussão pública efetiva e transparente com a sociedade, como a reforma da Previdência e os cortes no financiamento da educação.

De um modo ou de outro, os absurdos ditos por Jair Bolsonaro representam um risco para o país por acarretarem consequências práticas, além de fazer reverberar e dar legitimidade a mentiras e discursos de ódio. E tão grave quanto as falas e posicionamentos expressos por Bolsonaro é o silêncio de instituições a quem caberia o papel de impor limites e questioná-lo por tais posturas, como é o caso do Judiciário e da própria imprensa, cuja omissão colabora para normalizar e fazer proliferar tais discursos e suas consequências para o país.

Maria Helena de Pinho, estudante de Graduação em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina, bolsista de Iniciação Científica/CNPq.

Terezinha Silva, professora do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).



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