As chuvas intensas em Minas Gerais causaram mortes e deixaram milhares de pessoas desalojadas, suscitando discussões sobre a responsabilidade do poder público frente aos desastres.
A intensidade das chuvas e seus impactos nas cidades deixaram os mineiros alarmados. Em Belo Horizonte, tivemos o mês de janeiro com maior registro de precipitação da história, e o fevereiro mais chuvoso dos últimos 40 anos. Seja com as tempestades intensas ou com o efeito cumulativo do volume de precipitação, as chuvas trouxeram graves problemas: enchentes, alagamentos, enxurradas, rompimentos no asfalto e deslizamentos de terra deixaram vítimas em todo o estado. Segundo dados da Defesa Civil de Minas Gerais, desde o início do período chuvoso, foram registradas 72 mortes em decorrência das chuvas, sendo 35 destas em Belo Horizonte e na Região Metropolitana. Mais de dez mil pessoas foram desalojadas e cerca de 2.700 estão desabrigadas em função dos desastres.
No início, a narrativa predominante sobre as causas – e os culpados – parecia focar nas ações dos próprios cidadãos, como o entupimento da tubulação por descarte irregular de lixo. Nas declarações à imprensa, comentários nos portais de notícias e em redes sociais, era comum apontarem a ocupação irregular de áreas de risco nas periferias como razão do problema, culpabilizando os moradores pelos desastres em suas residências. O papel do poder público, que antes aparecia timidamente, aos poucos foi ganhando força: desde a atuação histórica na canalização de rios e córregos, sufocando a malha fluvial da cidade sob o concreto, até a responsabilidade atual das gestões de Alexandre Kalil e Márcio Lacerda, que destinaram, em média, apenas 20% do orçamento previsto para obras e medidas preventivas contra alagamentos e enchentes.
Essa mudança aconteceu conforme os impactos, antes predominantemente nas regiões periféricas de Belo Horizonte e na Região Metropolitana, passaram a preocupar e afetar mais intensamente as regiões mais ricas da cidade. O rompimento do teto do BH Shopping e os alagamentos no bairro de Lourdes, no final de janeiro, intensificaram o quadro já existente de assimetria e seletividade nas explicações sobre os desastres.
Embora os discursos midiáticos tenham se atualizado ao longo dos últimos dois meses, os representantes políticos se mantiveram impermeáveis à opinião pública. Como aponta o jornalista Leonardo Sakamoto, os prefeitos continuam culpando a natureza e os próprios cidadãos pelas tragédias: o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, declarou que a água vem do céu, e não de incompetência administrativa; enquanto o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, culpou os moradores das margens de rios, sob a alegação de que “gostam de morar ali perto porque gastam menos tubo para colocar cocô e xixi”.
Com o aumento do volume das chuvas devido ao aquecimento global, a natureza não tem preconceitos – mas a destinação de recursos públicos, as dinâmicas de atribuição de responsabilidade e as narrativas predominantes de culpabilização claramente obedecem às normas elitistas da sociedade.
Lucianna Furtado, Doutoranda em Comunicação Social (PPGCOM-UFMG)