Análise | Diário da Quarentena Poder e Política

A coerência do capitão ao defender que o Brasil não pode parar

Ao contrariar as recomendações sanitárias, nacionais e internacionais, de isolamento social para combater a pandemia do coronavírus, Jair Bolsonaro está sendo coerente com o projeto reacionário-liberal que representa. Entre a vida e o lucro, a escolha é pelo lucro. Fazer apologia ou namorar com a morte é a consigna do pensamento reacionário do qual ele é porta-voz.

Bolsonaro fala e cospe. Joedson Alves / Agência EFE

Neste momento de crise sanitária, alguém estava esperando uma resposta diferente por parte do chefe do Estado no Brasil? É bom fazer um pouco de memória sobre os proverbiais memes de Jair Bolsonaro, ao longo de sua carreira política e à frente do cargo mais importante do país, para ajustar as nossas expectativas em relação à resposta do Governo Federal à pandemia causada pelo coronavírus.

Jair Bolsonaro é a ascensão de um projeto de poder cimentado numa visão de mundo reacionária e numa gerigonça política que é fruto de um casamento oportunista com setores da burguesia financeira e industrial. “Sou favorável à tortura”, “Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra”. Alguém tinha esquecido destas declarações de princípio? O bolsonarismo recria uma estética falangista condensada na palavra de ordem de Primo Rivera e gritada em coro pelas turbas franquistas:  “Viva la muerte!!!. Na cultura popular espanhola, El novio de la muerte (O namorado da morte) foi uma canção de cabaré dos anos 20 do século passado que terminou sendo apropriado como hino da legião estrangeira dos exércitos espanhóis na guerra da independência do Marrocos. A canção se popularizou a ponto de ser entoada pelas tropas franquistas que iam felizes ao sacrifício nos campos de batalha. Namorar com a morte é a consigna do pensamento reacionário. Bem conhecido foi o apelo dos nazistas ao mito dos Nibelungos, um povo nórdico que ia feliz ao sacrifício em massa.

“Vocês querem direitos ou emprego?”. Neste meme se condensa a chantagem da geringonça política do ministro da Economia, Paulo Guedes — o “posto Ipiranga” do capitão: ou aceitam salários de fome ou lhes aguarda a morte no desemprego. Na espera da retomada do crescimento, que nunca veio, chegou primeiro a pandemia do coronavírus e com ela um novo dilema nihilista: “#O Brasil não pode parar. Em uma tradução simples significa que as pessoas vulneráveis, seja pela idade ou pela condição de pobreza, ou morrem por causa da pandemia ou por causa da fome.

Bolsonaro e os empresários a quem representa estão dispostos a sacrificar milhares de vidas humanas, preferencialmente dos mais pobres, em sua lógica utilitária própria do capital. Entre a vida e o lucro, escolhem o lucro. A geringonça reacionário-liberal vem afinando o coro: “Viva la muerte!!!” O ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, com a postura de sanitarista técnico, não consegue dissimular o lobista de oportunidade que sempre detestou o Sistema Único de Saúde. O ministro da Economia, Paulo Guedes, com sua postura de economista keynesiano, não consegue disfarçar as agruras de seu espírito mesquinho quando ofereceu R$ 200,00 como ajuda de custo para trabalhadores informais e desempregados neste contexto de pandemia.

De qualquer forma, todos esses atores são coerentes nesta tragédia. Inclui-se aí as organizações Globo e a família Marinho que hoje posam de opositores do capitão, já que não faz muito tempo que elas e o oportunismo do empresariado brasileiro pediram para ser convidadas ao noivado com a morte. Mas os setores da burguesia que tentam agora isolar Bolsonaro sabem bem que é melhor perder os anéis neste momento do que perder os dedos se a pandemia desatar em uma revolta social sem precedentes.

Silvio Salej Higgins, professor associado do Departamento de Sociologia da UFMG



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