Ao mesmo tempo em que a imprensa tradicional é vista como inimiga de Bolsonaro, os programas populares têm se mostrado verdadeiros aliados do presidente, sendo eleitos por ele como seu principal espaço de visibilidade na televisão.
Desde que o Brasil começou a tomar as primeiras medidas de combate a Covid-19, Bolsonaro tem buscado mais espaço na TV aberta. Em menos de um mês, o presidente já concedeu uma entrevista de 50 minutos a Ratinho, no dia 23 de março, e duas entrevista a José Luiz Datena (a primeira no dia 27 de março, poucos dias após seu primeiro discurso desastroso, e a segunda no dia 04 de abril, totalizando 1 hora e 45 minutos no ar). Além disso, a família Bolsonaro tem um defensor assumido na Redetv!, o apresentador Sikêra Junior, que em 2020 estreou em rede nacional no telejornal policial Alerta Nacional.
Olhando para as três entrevistas de Bolsonaro, chama a atenção não só o clima amigável entre o presidente e os apresentadores, regado a brincadeiras e elogios, como também o espaço de propaganda para as ações do governo. Os posicionamentos de Bolsonaro são endossados pelos apresentadores, que dificilmente apresentam algum contraponto ou discordância às falas do presidente.
Entre os pontos comuns nas três entrevistas destacam-se a defesa da flexibilização da quarentena para não prejudicar a economia do país e a crítica a políticos e governadores que, supostamente, estariam usando a pandemia como palanque eleitoral. O argumento de que as pessoas precisam trabalhar para sobreviver e de que o coronavírus é perigoso apenas para aqueles acima de 60 anos também é recorrente nas entrevistas. No Brasil Urgente, Bolsonaro também defendeu o uso da hidroxicloroquina, obtendo o apoio de Datena, que confirmou que essa indicação vem de especialistas renomados.
Apesar de não entrevistar Bolsonaro, Sikêra Junior usou dez minutos do telejornal para defender o primeiro discurso do presidente. O apresentador ironizou a situação, dizendo que as pessoas não deveriam obedecer Bolsonaro e ficar em casa; nesse caso, seria preciso dispensar todos os trabalhadores, inclusive médicos e enfermeiros dos hospitais. Ele também afirmou que aqueles que não querem trabalhar podem voltar a “ser escravos recebendo o cartão do Bolsa Família”.
A estratégia de Bolsonaro de usar os programas populares a favor do governo não é de agora. No período de aprovação da Reforma da Previdência, só Ratinho recebeu quase 1 milhão de reais para apoiar a medida. Datena foi outro contratado do governo e conta inclusive com o apoio do presidente em sua possível candidatura à prefeitura de São Paulo.
Outro dado que chama a atenção é o novo modelo de distribuição das verbas publicitárias do Governo Federal para as TVs abertas. Record, SBT, Band e RedeTV, aliadas do bolsonarismo, tiveram um crescimento considerável de verbas, enquanto a Globo teve queda. Segundo The Intercept Brasil, em 2019, a Record passou de 26,6% para 42,6% dos ganhos, enquanto o SBT foi de 24,8% para 41%. Já a Globo, que em 2017 detinha 48,5% das verbas publicitárias, caiu para 16,3%.
Apesar da roupagem popular, os programas populares brasileiros mostram mais uma vez sua escolha pelo dinheiro e pelo interesse dos grandes empresários em detrimento do povo. Alinhados ao discurso da meritocracia e negando a injustiça social, eles responsabilizam apenas o trabalhador pela manutenção de seu emprego e fonte de renda, livrando o governo e os “donos do dinheiro” de qualquer responsabilidade social pela sobrevivência do trabalhador em tempos de pandemia.
Confira as entrevistas:
Dia 23 de março – Ratinho
Dia 27 de março – Brasil Urgente
Dia 08 de abril – Brasil Urgente
Fabíola Souza, professora da UFOP e pesquisadora do Gris