A presença do general Eduardo Pazuello como ministro interino da Saúde, junto à nomeação de militares para cargos estratégicos, reforça o autoritarismo como principal resposta do governo Bolsonaro à crise.
Após a controversa demissão de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde em plena pandemia, seu sucessor, Nelson Teich, pediu exoneração em 15 de maio, antes mesmo de completar um mês no cargo. Os dois ex-ministros enfrentaram disputas similares com o presidente Jair Bolsonaro: com base em estudos científicos, incentivaram as práticas de isolamento social e demonstraram resistência ao uso da cloroquina e seu derivado, hidroxicloroquina, como tratamento para a Covid-19. Por determinação presidencial, o laboratório das Forças Armadas ampliou significativamente a produção do medicamento, passando de cerca de 250 mil comprimidos a cada dois anos para 500 mil por semana.
Com a saída de Teich, o general do Exército Eduardo Pazuello – até então, secretário-executivo do Ministério da Saúde – assumiu interinamente o cargo, apesar de não ter qualquer formação na área da saúde. Na semana seguinte, foi publicado o novo protocolo para tratamento de Covid-19, autorizando o uso da cloroquina para todos os estágios da doença – inicialmente, sem a assinatura de especialistas técnicos ou médicos como responsáveis, acrescentando-as no dia seguinte, mas sem a assinatura do ministro interino.
Pouco depois, foi divulgada uma pesquisa com dados de 96 mil pacientes de Covid-19, o maior estudo até então, indicando que o uso de cloroquina e hidroxicloroquina apresentou maior risco de arritmia e morte. Diante disso, a Organização Mundial da Saúde suspendeu estudos com a substância e países como França e Itália proibiram seu uso para tratar a Covid-19. O Ministério da Saúde não se abalou, mantendo a autorização mesmo em casos leves, enquanto o presidente Bolsonaro comemorou a doação de 2 milhões de doses de hidroxicloroquina dos Estados Unidos ao Brasil. O militar foi oficializado no cargo de ministro interino da Saúde em 3 de junho, e informou à sua equipe que deve permanecer por, pelo menos, mais três meses.
Ir na contramão de entidades nacionais e internacionais da saúde é uma tarefa fácil para um Ministério onde os especialistas da área se tornam cada vez mais escassos. O ministro interino nomeou cerca de 20 militares em cargos estratégicos para lidar com a pandemia, somando a outros 20 já nomeados durante a gestão de Teich, em substituição a epidemiologistas e especialistas em saúde pública demitidos com a saída de Mandetta. Foi nesse período, aliás, que o próprio general Pazuello entrou para o Ministério como secretário-executivo.
Além da falta de qualificação técnica para conduzir a pasta, o cenário aponta para outros riscos, como a já intensa subnotificação dos casos de Covid-19 e a possibilidade de supressão dos dados para influenciar a opinião pública sobre a pandemia. Recentemente, o Centro de Comunicação Social do Exército censurou os termos “isolamento social” e “distanciamento social” em comunicados oficiais sobre o coronavírus, para evitar uma “dissonância indesejável em termos de interpretação”.
A militarização da pasta mais exposta aos holofotes, no mesmo período em que a rejeição ao presidente Bolsonaro bate recordes, é um alerta ensurdecedor do autoritarismo de seu governo. Realizada sem maiores objeções em meio às crises sanitária e política que sufocam o país, essa intervenção militar no Ministério da Saúde remonta a uma tragédia que já conhecemos, parecendo anunciar uma transição “lenta, gradual e segura” para o risco de militarização total do governo. Esta, como a história já nos mostrou, é uma transição rumo ao abismo.
Lucianna Furtado, Doutoranda em Comunicação Social (PPGCOM-UFMG)