Na segunda-feira 27 de julho de 2020, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, retuitou post com vídeo da médica Stella Immanuel, atuante em Houston (EUA), no qual a profissional defende o uso do medicamento hidroxicloroquina para o enfrentamento da pandemia do novo Coronavírus. O Twitter excluiu a mensagem por considerar que o material divulgava informações falsas sobre o tratamento ou cura para a Covid-19, ferindo as regras de uso e conduta da plataforma.
Antes da exclusão nas redes sociais, entretanto, o vídeo já havia se tornado um viral. Uma das principais artistas do pop mundial, Madonna, estava entre os que participaram da expansão da mensagem de cunho negacionista. E, assim como Trump, teve sua conta do Instagram censurada. O conteúdo audiovisual, bloqueado na terça-feira 28 de julho, aparecia assim legendando no feed da cantora: “algumas pessoas não querem ouvir a verdade, especialmente as que lucram com a longa busca pela vacina”. Segundo ela, a vacina contra a Covid-19 estaria pronta há meses e seus produtores “preferem deixar o medo controlar as pessoas e deixar os ricos mais ricos e os pobres mais pobres”.
A Teoria da Conspiração divulgada por Madonna recebeu críticas e elogios dos fãs, bem como jogou luzes controversas sobre um tema que nos acompanha diariamente e cujos debates traduzem ansiedades e espera: a vacina contra a Covid-19. É fato que a geração atual da humanidade não havia enfrentado uma crise de tamanho porte como a provocada pelo novo Coronavírus. Sua repercussão mundial e as infinitas consequências trouxeram às instituições governamentais e de pesquisa sobre saúde o desafio de alcançar meios para uma imunização planetária e a retomada da “normalidade” da vida.
No entanto, essa corrida pela fabricação da vacina também envolve um vazio informacional e ético que, pela urgência da demanda, passa desapercebido. Trata-se, principalmente, de um dilema residual, que habita muitos cenários: qual a opinião médica e científica sobre os testes realizados com voluntários ao redor do mundo? A que tipo de perigo estariam expostos aqueles que recebem vacinas feitas em tão pouco tempo? Haverá obrigatoriedade futura no recebimento da dose? O que significa alcançar uma vacina em tempo recorde? Que barreiras e princípios da “boa” medicina estariam negligenciados? Quem efetivamente terá acesso à imunização?
No sábado, 01 de agosto, a Rússia anunciou para outubro o início de uma vacinação em massa contra o novo Coronavírus. A notícia trouxe um misto de alívio e desconfiança, com reações da classe científica e, ao mesmo tempo, polêmicas políticas. Dois dias antes, em crítica velada à vacina em estudo pela China, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que no Brasil, quando chegar o momento da imunização, não será pela vacina “daquele país”. Tudo isso, demonstra a seara turbulenta que envolve a questão. Tais tensões e incertezas apontam barreiras para uma resolução imediata dessa catástrofe, assim como indicam as nuances que envolvem a expectativa do “final feliz” tão desejado.
Há meses, veículos de imprensa de vários países reforçam a expectativa quanto à vacinação com o mote da esperança. Porém, nesses mesmos meios, os argumentos acerca dos problemas que envolvem a construção de uma saída pela ciência são tímidos. Assim como são pouco aprofundadas a discussão e a cobertura midiática sobre outras doenças planetárias, endêmicas há anos ou décadas, podendo esse também ser o incômodo destino da Covid-19.
O que a demanda coletiva parece evitar, portanto, não é o debate sobre a necessidade da vacina, mas sobre o significado desta (ou de sua – terrível – ausência). A excepcionalidade do contexto pede respostas excepcionais a ele. Será isso possível pela lógica do conhecimento científico e seus prazos históricos?
O desejo imediato pela “cura mundial” pode ser tão negacionista quanto um post. Um difícil paradoxo para estes tempos em que a realidade vem nos lembrar que os milagres estão nos laboratórios.
Frederico Tavares, professor da UFOP e pesquisador do Giro – Grupo de Pesquisa em Mídia e Interações Sociais