O texto discute o dossiê construído pelo governo Bolsonaro com nomes de servidores federais e estaduais identificados como antifascistas. Recuperando a ideia de fascismo para compreender o antifascismo, ressaltam-se os valores democráticos que se opõem ao totalitarismo e ao autoritarismo que alicerçam os movimentos fascistas.
O fascismo, um fenômeno político surgido na primeira metade do século XX, infelizmente, vem dando mostras de ressurgimento na última década em vários países do mundo. Como força de reação, surgem também posicionamentos e movimentos anti-fascistas, alguns batizados de “Antifa” (remetendo-se à tradição antifascista surgida também no século passado).
No Brasil, as tendências cada vez mais arbitrárias e autoritárias do governo Bolsonaro têm sido identificadas como de conteúdo fascista, e críticas de origens diferentes lhes têm sido dirigidas. Intelectuais, jornalistas e outras personalidades progressistas manifestam cotidianamente seu repúdio às intervenções e falas do presidente – entre eles, inclusive agentes de segurança, através da criação do movimento de Policiais Antifascismo.
Críticas, denúncias e movimentos de resistência fazem parte de um cenário democrático em qualquer parte do mundo. Mas aqui no Brasil – confirmando, mais uma vez, o autoritarismo reinante – a perseguição aos “opositores” deu a largada. Veio a público, no final de julho, a existência de um dossiê montado por um órgão do Ministério da Justiça (a Secretaria de Operações Integradas, Seopi, subordinada ao ministro André Mendonça e com atribuições de “inteligência”), com nomes e, em alguns casos, fotografias e perfis nas redes sociais, de 579 pessoas, em sua maioria policiais e agentes de segurança estaduais e federais, dois ex-secretários nacionais de segurança pública e um ex-secretário nacional de Direitos Humanos.
Essa operação, que lembra os idos da ditadura e as repugnantes operações do SNI (Serviço Nacional de Informação, que protagonizou as perseguições políticas na época da ditadura), foi repudiada por amplos setores da sociedade. O Congresso Nacional solicitou a Mendonça a entrega do dossiê; o Supremo Tribunal Federal (STF) votou pela suspensão imediata da produção desses levantamentos. Porém o significado ameaçador desse tipo de iniciativa permanece latente, bem como suas possíveis ramificações.
O antifascismo pode ser melhor compreendido através da compreensão do próprio fascismo. Fascismo é uma forma de regime político totalitário e monocrático, que busca o fortalecimento de um poder central e a coesão da sociedade em torno de uma ideia de nação homogênea e unificada. Como corolários, temos o enfraquecimento – senão a destruição – das instituições do Estado, a neutralização e a subsunção das diferenças de classe, culturais, regionais, bem como a xenofobia. Caracteriza-se também pelo culto à violência – uma violência anárquica, para-institucional – dirigida sobretudo às classes vulneráveis e pela estigmatização de grupos identificados como “inimigos da nação”. Breno Altmann, apresentando a origem e os fundamentos do fascismo, destaca três características de um projeto fascista: nacionalismo, militarismo, racismo.
Existem os regimes fascistas (cujo modelo fundador foi o regime de Mussolini), mas também podemos falar de tendências fascistas de um governo, quando este começa a desenvolver formas que se dirigem à implantação do totalitarismo fascista. Da mesma maneira, é possível identificar uma “personalidade fascista” através de traços e comportamentos de um indivíduo que defende e aspira esse tipo de regime.
Quando refletimos sobre as características do fascismo, pessoas que cultivam ideais democráticos, que respeitam os direitos humanos e defendem uma relação justa e igualitária entre todos os membros de uma sociedade se colocam como naturalmente antifascistas.
Olhando para operações que visam controlar e perseguir pessoas e movimentos antifascistas, temos que perguntar: quem é anti antifascistas é o quê?
Vera França, professora titular de Comunicação Social da UFMG e coordenadora do GrisLab