Vários memes reproduziram nas redes sociais a pergunta feita por um jornalista ao presidente Jair Bolsonaro sobre os famosos depósitos de Queiroz na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e a violenta resposta presidencial. Se a verdade liberta, como Bolsonaro costuma bradar, por que tanto esforço para ocultar informações?
Apesar das piadas, os desdobramentos do caso Queiroz revelam mais um episódio político protagonizado pelo presidente da República e carregado de truculência, autoritarismo, tentativa de ocultação de informações relevantes à sociedade e agressão a jornalistas. Investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro indica que depósitos feitos entre 2011 e 2016 por Fabrício Queiroz, amigo de Jair Bolsonaro e ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, e sua mulher, Márcia Aguiar, totalizaram R$ 89 mil. As informações contrariam versão de Bolsonaro, que havia dito se tratar de pagamento por um empréstimo de R$ 40 mil concedido por ele a Queiroz. Os dados, obtidos por meio da quebra de sigilo bancário de Queiroz e Márcia, não mostram o recebimento de tal empréstimo.
O tema parece despertar a ira do presidente, que desde a sua posse já deu inúmeras mostras de que uma de suas prioridades é a proteção de sua família. Questionado por um jornalista sobre a razão dos depósitos na conta da primeira-dama, Jair Bolsonaro respondeu que sua vontade era “encher tua boca na porrada”. Houve repúdio por veículos de imprensa, políticos e entidades representativas da categoria, como a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), que reiterou pedido de impeachment contra o presidente e lembrou que ameaça é crime previsto no artigo 147 do Código Penal.
A tentativa de silenciamento sobre o tema extrapolou os integrantes da família Bolsonaro e chegou à Justiça. No início de setembro, a pedido da defesa de Flávio Bolsonaro, a juíza Cristina Serra Feijó, da 33ª Vara Cível do Rio, expediu liminar proibindo a TV Globo de exibir em suas reportagens documentos sigilosos de investigações sobre o filho do presidente. A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) condenou, em nota, o que classificou como “censura prévia inaceitável”. Como destacou o jornalista Leonardo Sakamoto: “a divulgação de trechos da investigação que corre em sigilo não é crime. A quebra do segredo de Justiça é. Mas quando um conteúdo é entregue a um profissional de imprensa, a quebra já ocorreu. Cabe à Justiça descobrir quem vazou a informação, não punir o veículo de imprensa com uma mordaça, muito menos a sociedade com o silêncio”.
Flávio Bolsonaro é suspeito de liderar um esquema de “rachadinha”, que desviava salários de funcionários de seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio, onde foi deputado até janeiro de 2019, para o bolso de Queiroz e, de lá, para o da família Bolsonaro. Por suspeita de envolvimento, Queiroz e Márcia cumprem prisão domiciliar, benefício questionável que conseguiram em julho, como já analisado aqui no GrisLab. O MP-RJ afirma que há indícios de que o dinheiro recolhido era lavado por meio da compra de imóveis pelo casal Fernanda e Flávio Bolsonaro e da loja de chocolate do senador. Eles negam as acusações. O senador comemorou a decisão liminar e publicou nas redes sociais uma imagem da TV Globo em uma lixeira. Também disse não ter nada a esconder. Mas cada novo acontecimento relacionado ao caso Queiroz revela justamente o contrário, tamanho o esforço dos Bolsonaro para não dar explicações públicas a respeito e atacar quem tenta quebrar o silêncio.
O que foi aqui analisado, portanto, envolve um duplo acontecimento: o depósito de R$ 89 mil e os esforços de silenciamento. Um e outro confluem reforçando as suspeitas de envolvimento do clã Bolsonaro no caso.
Thais Araujo, jornalista, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da UFSC e bolsista da Capes
Terezinha Silva, professora do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da UFSC