Análise | Poder e Política

A dança das cadeiras dos ministros bolsonaristas

Uma das marcas do governo Bolsonaro é a “dança das cadeiras” nos ministérios. Com um ano e meio à frente da presidência da república, a instabilidade de sua equipe é uma das provas da incompetência da gestão e das disputas entre as forças que o sustentam. Em junho e julho deste ano, quatro novos ministros foram empossados (sucedendo vários outros nas respectivas pastas): Saúde, Comunicação, Cultura, Educação.

Desde sua posse, há um ano e meio, Jair Bolsonaro ainda não conseguiu consolidar sua equipe de governo. Pastas de extrema importância, como Saúde e Educação, já trocaram, respectivamente, três e quatro vezes de ministro. O ministério das Comunicações é recriado, e toma posse o quinto ministro da Cultura.

Em plena pandemia, e após a renúncia de dois ministros, seguida de um período de vacância, é oficializado na direção do Ministério da Saúde seu interino, o general Eduardo Pazuello. Militar da ativa, formou-se na Academia Militar das Agulhas Negras, em 1984, como oficial de intendência. Tem experiência em logística, e suas atuações mais marcantes foram a coordenação das tropas do Exército nos Jogos Olímpicos de 2016 e da Operação Acolhida, que cuida de refugiados da Venezuela em Roraima, em 2018.

Qualificado como “Predestinado” por Bolsonaro, o “nobre soldado” Pazuello admite que não possui qualquer afinidade com a área, que é um “leigo” no assunto. Ele chegou ao ministério quando este ainda era comandado por Teich, atuando como uma espécie de número 2 na hierarquia. Com a renúncia de Teich, assumiu o cargo e fez exatamente o que seus antecessores não fizeram: obedeceu a todas as ordens de um presidente que nega a gravidade da maior crise sanitária enfrentada pelo mundo nos últimos séculos.

Pazuello é o nono ministro de origem militar no governo, e faz parte dos mais de três mil militares que ocupam postos no planalto.

O Ministério das Comunicações, que havia sido extinto em 2016, no governo Michel Temer, foi recriado por Bolsonaro em junho de 2020, e assumido por Fábio Faria. Deputado federal por quatro mandatos (inicialmente pelo Partido da Mobilização Nacional, depois pelo Partido Social Democrático), Faria faz parte de uma influente família de políticos do Rio Grande do Norte.

A ligação do novo ministro com a Comunicação vem especialmente entrelaçada com interesses pessoais do político – Fabio é casado com Patrícia Abravanel, filha de Silvio Santos, que é dono do SBT.  Integrante do centrão e amigo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o ex-deputado é visto pelo presidente como uma espécie de ponte entre o Congresso e a mídia tradicional.

No Ministério da Cultura tomou posse também em junho o ator, cantor e apresentador carioca Mário Frias, substituindo o desastroso mandado de dois meses Regina Duarte. Ele é o quinto secretário da Cultura do governo Bolsonaro (o penúltimo ministro, Roberto Alvim, foi exonerado após usar referências nazistas em um discurso). Conhecido como ex-galã da novela “Malhação”, Frias trabalhou nas principais emissoras de televisão abertas do País – Rede Globo, SBT, RedeTV! e Record.

Com um discurso muito alinhado à pauta conservadora do governo, o novo ministro compartilha frequentemente as publicações de políticos aliados do presidente, defende o uso da cloroquina no tratamento da Covid-19, usando inclusive a hashtag #fechadocombolsonaro.

Depois do anúncio do novo cargo no governo, Frias viralizou algumas vezes na internet. Em uma delas, num vídeo com Eduardo Bolsonaro, o novo secretário da Cultura se refere ao auxílio emergencial destinado aos trabalhadores da cultura como uma “esmola”.

O último ministro nomeado (até a data desta publicação) – e o quarto a ocupar o Ministério da Educação no governo Bolsonaro – é Milton Ribeiro. Pastor protestante, advogado, teólogo e professor, Ribeiro foi vice-reitor da Mackenzie, instituição da qual é membro do Conselho Deliberativo, entre outros vínculos. De acordo com seu Lattes, possui mestrado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (USP).

O pastor assumiu o cargo depois da saída de Abraham Weintraub e de dois convites fracassados – Carlos Alberto Decotelli, que nem sequer chegou a tomar posse, e Renato Feder, que recusou o convite. Ribeiro já fazia parte do governo como integrante da Comissão de Ética Pública da Presidência desde maio do ano passado Apesar de prometer um ensino público laico, a nomeação de um pastor para comandar uma pasta tão importante quanto a educação é uma vitória expressiva da bancada evangélica e da ala ideológica do governo.

Essa “dança das cadeiras” é indicadora de dois aspectos muito graves. O primeiro deles, bastante evidente, é a falta de solidez da equipe de governo, e o caráter errático das nomeações feitas por Bolsonaro. Em sua campanha eleitoral, o candidato assumia seu despreparo geral nos assuntos de governo e dizia que seria respaldado por técnicos competentes em suas respectivas áreas. Esta se revelou mais uma das palavras ocas do candidato eleito.

O segundo aspecto é o caráter das nomeações: longe dos atributos de competência, as cadeiras de Bolsonaro estão marcadas com seu próprio nome, ou seja: o que conta é a fidelidade ao chefe. Suas escolhas recaíram sobre suas duas bases de sustentação – os militares e a base ideológica-religiosa – e uma terceira que vem sendo agregada recentemente, que é o “centrão”.

Essas bases podem sustentá-lo por algum tempo. Só não sustentam o país, que vem sendo destruído pela doença, pelas mortes e pela miséria crescente.

Vera França, professora titular de Comunicação Social da UFMG e coordenadora do GrisLab
Chloé Leurquin, jornalista, doutoranda em Comunicação Social/ UFMG e pesquisadora do GRIS



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